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Entre professores que eles pretendem e não têm e professores que existem e eles não querem

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Neste 28 de junho as aulas do ano letivo de 2023/2024 terminaram. No exato mesmo dia foi divulgada uma notícia da SIC com o seguinte título: “Aulas terminaram e cerca de mil alunos nunca tiveram professor a pelo menos uma disciplina”. Fiquei perplexo. Como é possível existirem alunos que não tiveram avanços durante 9 meses nos conteúdos de uma determinada área disciplinar? Como é possível o Estado deixar que esta falta de acesso à educação e ao conhecimento se prolongasse durante tanto tempo?

Na peça jornalística, a propósito de um agrupamento de escolas nela referido, foi dito que, ao nível do 2.º e do 3.º ciclo, existiam grupos disciplinares dos quais não se conseguiu contratar nenhum docente, o que obrigou a uma gestão interna do problema, com redistribuição de horários e a efetuação de horas extra pelos professores já existentes. Ora, esta realidade contrasta com as vontades de várias pessoas qualificadas, incluindo eu, de dar aulas, e isto só acontece porque ocorre uma falta de informação grotesca por parte dos serviços responsáveis.

Sobre o meu caso, por exemplo, como sou Licenciado em Sociologia e não frequentei um mestrado em ensino, e não sendo Sociologia um grupo disciplinar autónomo, encontrando-se noutros como Filosofia e Economia, tenho somente habilitação própria para o ingresso no sistema escolar obrigatório como professor. Contudo, acredito que muitos formados nestas e noutras áreas que conferem a tal habilitação própria desconhecem o que isto seja e como se podem candidatar à docência. Não existe uma comunicação transparente e esclarecedora sobre estes aspetos. Enquanto aluno universitário, nunca, durante ou após a frequência do 1.º ciclo de estudos, me explicaram como poderia proceder para realizar esta tentativa de ser docente nos ensinos básico e secundário. Logo, a falta de empenho de nos transmitirem informações importantes sobre a nossa carreira e o nosso futuro profissional começa desde cedo, nas universidades, e prolonga-se após o ensino superior através da inação do poder político.

Quantos que não têm um diploma de um mestrado de ensino sabem se a sua área lhes deu competências para serem professores? Onde é que está explicado o funcionamento da plataforma de candidaturas por responsáveis políticos? Onde é que se encontra o incentivo a que profissionais ligados a áreas de contacto com aquelas que permanecem com falta de docentes se cheguem à frente? É preferível ter alunos sem aulas do que a administração pública e os políticos serem melhores comunicadores e tornarem os critérios mais apetecíveis e bem divulgados a fim de que os profissionais interessados possam tentar a sua sorte?

Por favor, Sr. Ministro da Educação, Ciência e Inovação Fernando Alexandre, e demais autoridades políticas na área da educação que o acompanham, ajudem-nos a sermos professores! Existem muitos de nós que poderiam elaborar ensinamentos e projetos fantásticos e recompensar a escassez de docentes no sistema escolar que parece cada vez mais crónica. Ensinem-nos diretamente como nos podemos candidatar às oportunidades ou, então, promovam workshops, vídeos e notícias que encaminhem e motivem as pessoas nesta missão. Flexibilizem os critérios de entrada, permitam a alguém de Sociologia lecionar mais facilmente conteúdos de História ou Filosofia, pois certamente as pessoas mais determinadas e competentes irão aprender o que têm a ensinar e, até, trazer outros conhecimentos das suas áreas de origem, diversificando as aprendizagens. Criem mais do que uma época de candidaturas, tal como acontece com os professores das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), em que as Câmaras abrem dois ou três concursos por ano letivo para compensar saídas e baixas que vão, naturalmente, ocorrendo. Tudo isto, para além das medidas de incentivo salarial e proximidade territorial entre residência e local de trabalho, é essencial para motivar professores e estudantes de modo a alcançarmos uma escola melhor e a findarmos com as desigualdades nas frequências de aulas e aquisição de saberes.

Enquanto ex-estudante não aprecio nada olhar para a instituição escolar portuguesa e encontrá-la neste estado. As crianças de hoje poderiam ter sido meus colegas, poderíamos todos ter passado por esta situação há uns 10 ou 15 anos. Mas estar aqui, com as minhas competências de 5 anos de estudos de ensino superior, bem como a experiência de mais de 1 ano na formação a formandos de um curso técnico-profissional, e sentir que não consigo fazer mais porque o Ministério da tutela não informa, acompanha, motiva e inclui os profissionais da educação é igualmente frustrante. No momento em que se prevê a saída de milhares de professores do sistema educativo nos próximos anos, é injusto e ofensivo que não se faça de tudo para que aqueles que desejam o seu amanhã unido à educação consigam ajudar-se e ajudar os mais novos.

Mostre-nos, então, Sr. Ministro, que todos os alunos merecem as mesmas oportunidades. E que as áreas de formação são todas igualmente valorizadas e não deveriam ser inferiorizadas por um papel que um estágio, por exemplo, seria capaz de contornar. Evidencie-nos que não é por carecermos de um diploma num curso de ensino que não podemos, ora pois, aprender a pedagogia. Aprender, aliás, é aquilo que o ser humano faz no decorrer de toda a sua vida.