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Ensino à distância. Diferentes velocidades entre escolas, alunos sem computadores e pais sem tempo trazem à tona as desigualdades

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Laura. Leonor. Augusto. Júlia. Sofia. Matilde. Gabriel. Eva. Têm entre 2 e 12 anos, e espalham-se, em dias normais, por salas de aulas do pré-escolar ao 7.º ano. Há duas semanas tudo mudou. Sexta-feira passada teriam regressado a casa com mochilas mais carregadas de TPC para as férias, para gozar a pausa letiva da Páscoa. Mas o coronavírus trocou as voltas às suas quatro famílias. Agora é em casa, com ritmos muito diferentes, que vão recebendo indicações das escolas, a conta gotas ou de enxurrada, e que vão dando os primeiros passos numa sala de aula sem professor.

As escolas fazem o mesmo e adaptam-se à ausência de alunos. Umas ainda estão a meter a primeira mudança, outras já seguem em velocidade cruzeiro, como a Park International School, com quatro colégios em Portugal, ou o agrupamento de Alcanena, onde todas as semanas se afinam os motores.

Os representantes dos diretores, de escolas públicas e privadas, não têm dúvidas: todas estão a fazer a transição para o ensino digital e a pausa da Páscoa vai servir para garantir que o ano letivo termina da melhor maneira, até porque já ninguém acredita que o 3.º período possa ser feito dentro da normalidade. E não têm ilusões: escolas e alunos estão longe de ir todos à mesma velocidade.

Também por isso, Paulo Freitas e Hugo Reis, investigadores na área da economia da educação, pedem ao ministro Tiago Brandão Rodrigues regras claras para todas as escolas, que garantam que nenhum aluno fica para trás. Para já, com base nos números do Instituto Nacional de Estatística de 2019, deixam um alerta: haverá um universo de cerca de 50 mil alunos até aos 15 anos sem acesso a recursos educativos online.

Aqui há computador, mesmo que arcaico

A Laura tem computador. O Augusto e a Leonor também. Mas se esta última, aluna de 11 anos, que frequenta o 6.º ano no Agrupamento de Escolas Conde de Oeiras, já tinha um só para si, o mesmo não se passava com os outros dois estudantes. Depois de o coronavírus lhes bater à porta, as famílias desenrascaram-se com equipamento mais antigo, mas que vai dando para responder às solicitações dos professores.

No caso da Laura, 12 anos, as coisas não estão a correr mal, apesar da carga horária ser demasiada, na opinião da sua mãe. Mas isso não é novidade. Para Vera Vitorino, ainda antes da pandemia, o horário da filha, aluna do ensino articulado de música, era excessivo: 14 disciplinas e aulas de manhã e de tarde todos os dias da semana.

Na turma da Laura, um 7.º ano do Agrupamento de Escolas de Benfica, o fluxo de trabalho está controlado. “A informação chega por WhatsApp ou por email. Os professores informam a diretora de turma, ela envia para a representante dos pais, que sou eu, e em seguida envio para todos os encarregados de educação. Não está a correr mal”, conta Vera que tem a sorte de não receber dezenas de emails por dia.

Juliana, mãe de Augusto, Sofia e Gabriel (10, 7 e 2 anos) não pode dizer o mesmo. O filho mais velho está no 5.º ano na Escola Secundária de Carcavelos e se, ao início, a passagem de informação estava centrada na diretora de turma, alguns dias depois deixou de estar. “A conversa no Google Classroom é constante. O que estão a pedir é demasiado para a disponibilidade que eu tenho. Eles não estão de férias, mas eu também não estou de férias, e não há professores a entrar e a sair cá de casa para esclarecer as dúvidas que eles têm. É só um pai a ajudar nos trabalhos de todos. Até para o Gabriel, que está na creche, recebo emails das educadoras com atividades, e músicas e saltinhos.”

Juliana tenta manter um horário de trabalho, mas as interrupções dos três filhos são constantes. O marido, que está à espera de entrar em lay-off a qualquer momento, vai tentando organizar as tarefas que uma casa de cinco pessoas exige, enquanto vai ajudando nas aulas à distância.

“Se para nós é difícil, para eles ainda é mais complicado. Facilmente perdem o foco. A Sofia está no 2.º ano e se num dia demora uma manhã para fazer uma ficha de atividades, no dia seguinte pode demorar o mesmo tempo para fazer um terço desse trabalho. E torna-se muito complicado conseguir que o mais novo, que precisa de fazer sesta, descanse quando os irmãos andam a brincar”, conta Pedro, o pai.

A mãe de Leonor, que vive sozinha com a filha, está exausta. “Se isto é a primeira amostra, e foram só duas semanas, nem imagino o que vai ser o 3.º período. Estou extremamente preocupada com as aprendizagens. Em casa nunca conseguimos ter as regras e horários da escola”, desabafa Teresa Velez.

No caso de Leonor, que está quase a fazer os 12 anos, ainda não há videoconferências com os professores. “A diretora de turma envia os trabalhos de cada disciplina, mas a quantidade é um exagero. Durante uma semana na escola não faziam o equivalente ao trabalho que têm enviado para estes dias.” Teresa já teve de recorrer à explicadora de Matemática, porque tanto nessa disciplina, como na de Ciências, já receberam trabalhos com matéria que não foi dada na sala de aulas.

“Eu não tenho jeito para ensinar e ela não quer que eu a ensine. Estou a pensar manter a explicação, nem que seja por videochamada, para garantir que há alguma aprendizagem”, conta Teresa que diz que em média a filha trabalha durante uma ou duas horas por dia. “Se estiver no WhatsApp com as amigas a estudar, que foi a maneira que encontraram para estar juntas, é capaz de estar uma manhã inteira a trabalhar. Mas no dia seguinte, sozinha, já é capaz de não olhar para os livros.”

Vera conta que Laura já se queixou de ter recebido trabalhos de matéria que ainda não deu, mas desconfia que a filha é que estaria desatenta nas aulas. “Eles sentem-se muito desamparados sozinhos. No ensino articulado, ela tem muitas aulas práticas e quando tem as aulas por Skype fica muito contente. Falta-lhe o contacto com os professores e naqueles momentos eles vão sempre um pouco mais além, falam com eles, não ficam só pela matéria.”

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Fonte: Observador