Há um João Costa ministro da Educação do Governo de António Costa, que não tem “condições financeiras” para recuperar o tempo de serviço dos professores, e há um João Costa apoiante da candidatura de Pedro Nuno Santos para a liderança do PS que terá margem para avançar com esta medida se vencer as eleições. Os professores dizem não saber “em qual dos dois Joões” é que podem acreditar
Os professores não sabem em que ministro da Educação acreditar. “No João Costa que disse até agora, publicamente, que todas as medidas de recuperação possíveis já tinham sido feitas, nomeadamente a correção das assimetrias e os mecanismos de aceleração da carreira, e que não havia condições [para a recuperação do tempo de serviço congelado], ou é agora este que diz que há condições, só não há vontade?”, questiona à CNN Portugal Pedro Barreiros, vice-secretário-geral da Federação Nacional dos Sindicatos dos Professores (FNE).
Apesar de o ministro garantir que “não mudou” a narrativa acerca da recuperação do tempo de serviço, os professores não têm dúvidas. “Há efetivamente uma mudança”, assume Cristina Mota, da Missão pela Escola Pública, que lembra as várias ocasiões em que o Governo, e o ministro da Educação em concreto, rejeitaram esta medida invocando a sua insustentabilidade financeira.
Para os professores, esta mudança da narrativa do ministro da Educação não é mais do que “oportunismo eleitoralista” no quadro das eleições diretas do PS e das eleições legislativas antecipadas para 10 de março. “Se o Governo não tivesse caído, João Costa teria de continuar a dizer até ao final da legislatura aquilo que sempre disse. Portanto, é caso para dizer que, para os professores, ainda bem que o Governo caiu”, salienta Pedro Barreiros.
Cristina Mota considera mesmo “vergonhoso que o ministro tenha vindo agora com estas declarações para apelar ao voto”, nomeadamente quando destaca a moção de candidatura de Pedro Nuno Santos à liderança do PS como aquela que permite essa abertura para a recuperação do tempo de serviço das carreiras da Administração Pública, inclusive dos professores.
Se, até agora, “não houve condições financeiras” para contabilizar o tempo de serviço congelado dos professores, o ministro da Educação antecipa que, num governo liderado por Pedro Nuno Santos, já vai haver margem para o fazer. É que, segundo João Costa, esta é uma questão “de vontade e de capacidade”. Resta saber de quem.
Para a FNE, a recuperação do tempo de serviço só ainda não avançou por “mera teimosia do primeiro-ministro”, António Costa, que sempre rejeitou abrir a porta a essa medida por considerar que a mesma “é insustentável para o país”. Um argumento que os professores rejeitam, tendo em conta o contexto económico do país. “O problema não está no dinheiro, até porque a implicação que isso tinha do ponto de vista financeiro, segundo o próprio ministro da Educação, era cerca de 311 milhões de euros por ano. É um valor completamente suportável por qualquer orçamento do Estado”, argumenta Pedro Barreiros.
Professores acusam ministro de ter “um ódio de estimação” pelos docentes
Em todo o caso, a responsabilidade recai sobre o próprio ministro da Educação, assume Cristina Mota, que acusa João Costa de ter “um ódio de estimação pelos professores”. “A falta de vontade é tanto do primeiro-ministro como do ministro da Educação. Perante as declarações que tem feito no último ano, a vontade dele não é a da recuperação do tempo de serviço e não considera a luta [dos professores] justa. O ministro não pode incutir essa responsabilidade no primeiro-ministro tendo em conta a postura que tem vindo a assumir”, argumenta a responsável da Missão pela Escola Pública, acusando o ministro de tentar por várias vezes “denegrir a imagem dos professores” ao alegar que as greves “prejudicam os alunos”.
André Pestana, que diz ter participado “na esmagadora maioria das reuniões com o ministro da Educação” nos últimos meses, assume à CNN Portugal que João Costa “corporizava completamente a linha política de não ceder nesta questão [da recuperação do tempo de serviço]”. Por isso, assume, esta “não é uma coisa que se possa imputar a um único responsável”, mas sim ao Governo como um todo.
“Há um Conselho de Ministros, com os seus secretários de Estado, que é responsável por políticas e agora devia haver, no mínimo, essa honestidade de assumir essas opções políticas num quadro que se calhar não teremos nos próximos anos, que é um quadro extremamente favorável em termos económicos, de receita fiscal extra e de capacidade orçamental, que deveria ter sido – e esperemos que venha a ser – de investimento nos serviços públicos essenciais para a população, nomeadamente a educação, a saúde e outros”, argumenta.
Para Pedro Barreiros, esta situação só demonstra a “falta de coerência” do Governo do PS, lembrando que “houve propostas entregues na Assembleia da República por parte do PSD, do Bloco de Esquerda e de outros partidos para avançar com a recuperação do tempo de serviço, e o ministro da Educação e elementos associados às candidaturas [à liderança do PS] votaram contra”.
Maria Esperança Portugal, uma “candidata virtual”
Com o aproximar das eleições legislativas, os professores admitem ter esperança que as suas reivindicações possam finalmente ser ouvidas. André Pestana destaca que “não é só o PS” que está a aproveitar a luta dos professores para a campanha eleitoral. “Vários partidos têm dito agora que defendem a contagem de serviços e há umas semanas não tinham essa política”, observa.
Para materializar essa esperança, a FNE revelou à CNN Portugal que vai concorrer às legislativas com uma candidata – Maria Esperança Portugal, uma “candidata virtual” criada com recurso à Inteligência Artificial (IA).
“Antes deste contexto político, tínhamos pensado apresentar uma candidata às eleições europeias para apresentar propostas concretas em relação à área da educação. Fomos surpreendidos com esta situação da crise política e decidimos antecipar a apresentação desta candidatura às legislativas”, explica Pedro Barreiros.
Maria Esperança Portugal vai ser uma candidata como “todos os outros”, diz o responsável. “A partir de janeiro, vamos apresentar, através de conferência de imprensa, um manifesto com o programa eleitoral, vamos ter outdoors, autocolantes, viaturas, tudo. Vamos lançar iniciativas para apresentar as nossas propostas para a área da educação.”
Questionado sobre qual o posicionamento ideológico desta candidata, o responsável diz que “é só um: a defesa e a valorização da educação” em Portugal. Assim, o sindicato quer garantir que a educação se assume como o eixo central do debate político, numa altura em que os professores prometem não baixar os braços caso as suas reivindicações não sejam ouvidas.
“Independentemente de quem vier para o Governo, seja mais à esquerda ou mais à direita, se não investir a sério na escola pública, se não valorizar de forma significativa todos os que trabalham nas escolas, docentes ou não docentes, esta luta vai continuar”, promete o responsável do STOP.
Em nenhum…um mentiroso
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