Com 20 anos de experiência na PSP, incluindo no Programa Escola Segura, Miguel Rodrigues publicou no ano passado a obra “Violência nas Escolas — Caracterização, Análise e Intervenção”, que se baseia em estatísticas oficiais e em 200 entrevistas a professores, diretores, psicólogos escolares, alunos e polícias. Doutorado em Educação, o investigador do Instituto Superior de Ciências Policiais lamenta o desinvestimento que diz ter sido feito nos últimos anos em matéria de prevenção da violência escolar.
O levantamento que fez indica que, na última década, foram registadas, em média, nove mil ocorrências por ano de violência nas escolas. A que tipo de situações correspondem?
Os ilícitos em ambiente escolar enquadram-se em 10 tipologias. As agressões físicas são as mais comuns, representando 36% dos casos, depois as injúrias e ameaças, o furto, o roubo, o vandalismo, as questões ligadas ao consumo e ao tráfico de estupefacientes e as ofensas sexuais.
O caso do aluno que alegadamente foi sodomizado por colegas numa escola enquadra-se nesse âmbito das ofensas sexuais. Será um caso isolado?
Esse caso teve mais impacto pela sua aparente brutalidade. Mas, desde 2010, foram registados, em média, 174 casos de ofensas sexuais por ano nas escolas, que abrangem contactos físicos não desejados, atos exibicionistas, coação sexual, abuso sexual e violação. Tendo em conta que em cada ano letivo há 175 dias de aulas, é uma por dia. E o número real é certamente maior, já que neste crime a vítima tem, por norma, dificuldade ou vergonha de denunciar.
Nos últimos 12 anos houve uma redução de 11% nos polícias que estão no Programa Escola Segura e de 20% nas viaturas”
Uma das particularidades deste caso é o facto de ocorrer num meio muito pequeno, quando estamos habituados a associar a violência escolar às grandes cidades e subúrbios. Surpreende-o?
De facto, nesta média de 12 anos, a maioria das ocorrências (56%) concentra-se em Lisboa. No extremo oposto, temos Portalegre, Guarda, Castelo Branco e Beja. De uma forma geral, sabemos que é nos chamados Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), que estão localizados em zonas mais carenciadas, que há mais ocorrências. A criminalidade nessas zonas é sempre maior e é também por isso que estão identificadas como prioritárias. No caso do Vimioso, trata-se de um meio muito pequeno, e por isso acho que poderia ter-se evitado a divulgação da escola, porque isso leva muito facilmente à identificação daquela criança.
Segundo o último “Relatório Anual de Segurança Interna”, a criminalidade juvenil atingiu em 2022 o valor mais alto dos últimos sete anos. O que pode explicar este aumento?
Além do impacto da pandemia, acho que tem muito a ver com o grande desinvestimento que houve nas políticas de prevenção. Nos últimos 12 anos houve uma redução de 11% nos polícias que estão no Programa Escola Segura e de 20% nas viaturas para eles trabalharem. Em Sacavém, por exemplo, onde há 20 escolas, há dois ou três elementos do Programa Escola Segura, mas não conseguem trabalhar porque não há carro.
O bullying e o cyberbullying tornaram-se muito mais recorrentes nas escolas”
As escolas têm meios para lidar com casos de violência?
Os recursos humanos são muito escassos. Se formos a uma secundária com 1500 alunos durante o intervalo, encontramos um ou dois assistentes operacionais em pontos estratégicos. Facilmente um aluno que queira cometer algum ilícito consegue fazê-lo numa zona mais escondida. O rácio de assistentes operacionais devia ser muito maior, já que estes são fundamentais a nível da prevenção. E deve-se melhorar a capacidade de todos os atores da escola — direção, professores e assistentes —, fornecendo-lhes mais ferramentas e formação para que estejam mais aptos a identificar e a prevenir a violência.
Tem 20 anos de experiência na PSP, incluindo no Programa Escola Segura. O que mais mudou ao longo deste tempo?
O bullying e o cyberbullying tornaram-se muito mais recorrentes, apesar de não haver dados oficiais, já que não estão configurados como crime.
O uso de telemóveis tem causado grande perturbação nas escolas, o que já levou algumas a proibi-los. Concorda?
O telemóvel poderia ser entregue a um funcionário no momento em que o aluno entrasse na escola e só lhe seria devolvido quando saísse. É muitas vezes nos intervalos que os alunos conseguem filmar e gravar conversas que podem causar um impacto negativo em muitas crianças e jovens. Sei que é controverso, mas a proibição seria uma forma de mitigar esse risco.