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Educação | Agenda digital acelerada

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Há 10 anos, Portugal tinha uma taxa de abandono escolar precoce na ordem dos 30,9%. Hoje esse número está nos 10,6%, um dado acompanhado pelos resultados do principal relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Considerado um caso de sucesso em 2019, graças aos números alcançados nas três áreas avaliadas pelo PISA (Programme for International Students Assessment) — leitura, matemática e ciências —, a chegada da pandemia trocou as voltas a alunos, professores e governantes. Mas, acima de tudo, colocou à prova um modelo de ensino remoto que ainda estava no papel.

“Nos últimos quatro anos conseguimos baixar o abandono precoce de 14% para 10%, em convergência com os números da Europa”, disse o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, durante o debate promovido esta semana pelo Expresso e pelo Banco Santander, integrado no ciclo de conferências “Preparar o Futuro”. “O que se segue? Um dos pontos é adaptar o ensino à distância, a transição digital e agenda digital para a Educação, que já estava no Programa do Governo, para aumentar a literacia digital”, explicou o ministro, salvaguardando que “a existência de equipamentos para todos os alunos tem de ser uma certeza”.

“O desígnio deste ensino à distância foi não deixar nenhum estudante para trás. Agora temos de trabalhar para que no próximo ano letivo possamos recuperar as aprendizagens”, afirmou Tiago Brandão Rodrigues, levantando a questão cuja resposta ninguém pode dar de forma inequívoca: em setembro, os alunos irão regressar à escola?

“O grande desafio é assegurar que o digital funciona como forma de garantir o distanciamento social na escola”, acredita o reitor da Nova School of Business, Daniel Traça. “Há competências que não se ensinam à distância, como a criatividade, capacidade de colaborar, coisas que o mercado hoje exige. É preciso voltar à escola. O digital vai ter um papel muito importante para ajudar professores e alunos na sala de aula, como um complemento à experiência em sala, um modelo híbrido, para que o trabalho em casa seja fonte de maior aprendizagem. Trata-se de um mercado novo, que será benéfico para desenvolver os nossos alunos e mais propício às expectativas de hoje.”

“Teremos um maior domínio das tecnologias de comunicação e de ensino online. Mas o ensino, no essencial, não muda”, diz Nuno Crato

Nuno Crato, ex-ministro e atual presidente da Iniciativa Educação, dá prioridade ao investimento “não material”. “Não há dúvida de que escolas, professores, pais e alunos responderam com grande dedicação, e isso permitiu que as atividades letivas continuassem”, referiu, considerando útil a aprendizagem resultante da pandemia. “Teremos um maior domínio das tecnologias de comunicação e de ensino online, mas o ensino, no essencial, não muda. Nem deve mudar.” O futuro passa por “investir num bom currículo, exigente, que chame os alunos ao século XXI, bons manuais escolares, avaliação frequente e apoio tecnológico”.

As competências digitais — incluindo a digitalização das escolas — constam do Programa do Governo, que defende a “articulação entre as ofertas e a promoção” dessas competências entre alunos e professores. “É preciso acelerar o processo de digitalização das nossas escolas”, lê-se no Programa, que contempla a “generalização das competências digitais de alunos e professores” e a aposta na digitalização dos manuais escolares e outros instrumentos pedagógicos.

“Relatórios internacionais dizem que estes programas das escolas têm tido impactos positivos, nem sempre evidentes a curto prazo, mas que revelaram um aspeto positivo com este surto: os alunos tiveram de se ambientar ao ensino à distância, a uma aprendizagem acelerada”, afirmou Brandão Rodrigues. O Programa do Executivo prevê um plano integrado e de qualificações, aumento da conectividade das escolas no acesso à internet, entre outras medidas.

Arlindo Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico e diretor do INESC, rejeita mudanças estruturais no sistema de ensino provocadas pela pandemia: “Não vai ser uma revolução fundamental. O contacto é muito importante no ensino. Daqui a quatro anos, quando olharmos para trás, vamos ver isto de forma diferente”, acredita, embora considere que a pandemia “acelerou as competências tecnológicas”, facilitou o ensino à distância, mas não vai mudar um negócio que se mantém “há 500 anos: continua a basear-se num professor em frente a dezenas de alunos”.

Com o rumo da pandemia ainda incerto, Isabel Alçada, ex-ministra da Educação e conselheira do Presidente da República, é cautelosa ao perspetivar o próximo ano letivo. “Precisamos de ter a possibilidade de reagir a uma nova emergência, mas também estudar as condições que assegurem a segurança e as possibilidades de ter uma aula presencial. Não podemos desdobrar turmas e ter o dobro dos professores. Exige recursos extremos.” Por outro lado, chamou a atenção para um número que tem vindo a aumentar: Portugal tem hoje um rácio de um computador por 4,7 alunos. “Em 2011 este valor situava-se nos 2,1%. Muitas famílias não dispõem de equipamentos nem de acesso à internet.” A ex-ministra sugere a criação de programas de ação social escolar que incluam a oferta ou empréstimo destes equipamentos para assegurar a equidade e atingir duas “grandes prioridades” da Educação: garantir 12 anos de escolaridade a todos os jovens e ampliar a qualificação de todos os portugueses.