Que Escola na crise pandémica?
Quando, em março passado, o Governo decretou oficialmente o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino, o ensino presencial deu lugar ao não-presencial e as escolas, no espaço de um fim de semana, responderam a um desafio gigantesco: mudar da modalidade presencial para a modalidade de ensino a distância.
Aliás, a generalidade dos docentes nem uma caneta tem da escola. Pagam as suas ferramentas de trabalho e sobre isto em particular nem uma palavra de reconhecimento público por parte do Ministro da Educação ou do Primeiro-Ministro. Arrisco afirmar que é também por causa de atitudes destas que o espírito de missão e de entrega que caracteriza a generalidade dos professores era tantas vezes desconsiderado por parte da opinião pública. O confinamento, creio, mudou opiniões e fez com que pais e encarregados de educação valorizassem mais a missão dos professores e da Escola.
Todavia, alunos houve que, infelizmente, ficaram para trás porque, ou não tinham computador, ou não tinham acesso à rede, ou porque não se adaptaram ao ensino a distância, ou ainda porque os seus encarregados de educação tiveram de optar entre a despesa acrescida da compra de um portátil para as aulas à distância e a comida em cima da mesa. As aulas não chegaram a todos, a um que fosse, e, por isso, houve aprendizagens não realizadas passíveis de recuperação, mas outras houve que se perderam para sempre porque, explicam vários estudos, não ocorreram no tempo próprio.
No texto “A Educação num Mundo Pós–Covid: Nove ideias para políticas públicas” (UNESCO), fica bem evidente nesta crise a importância da Educação como um bem público e que deve ser assegurado a todos. Destaca, ainda, a necessidade de valorizar a profissão e a colaboração entre os docentes e constata a nível global a rapidez e a generosidade com que os professores encararam a necessidade de reconfigurarem a sua profissão. Toda esta criatividade e resiliência foram evidenciadas por uma classe profissional que se defronta com dificuldades que têm sido há muito identificadas, desde a falta de atratividade da profissão docente e o envelhecimento docente, passando pela exiguidade de recursos, dos orçamentos cativados, do desinvestimento, da sistemática redução das taxas de execução orçamentadas.
De facto, em plena crise pandémica, a grande maioria das nossas escolas só podia atacar o ensino a distância com tralha informática obsoleta. Valeram, a milhares de alunos, os computadores e tablets comprados e disponibilizados pelas autarquias, estando ainda a tutela da educação devedora daquelas.
Este ano letivo, as escolas e os seus diretores foram brindados com orientações do Ministério da Educação que induziram nas escolas um quadro de indefinição, de confusão, de desorientação, de inação, de incertezas porque todas as medidas só se verificariam “sempre que possível”. Valeu às escolas e às suas comunidades educativas a proatividade dos seus diretores que fizeram muito, com muito pouco, sobretudo com insuficiência de assistentes operacionais ou com muitos professores e assistentes pertencentes a grupos de risco, por exemplo.
Por razões sanitárias, sabíamos que seria impossível cumprir o distanciamento social que se exige com turmas de 26/30 alunos; sabíamos que nas aulas de Educação Física seria impossível manter os alunos a 3 metros de distância; era claro que haveria recursos humanos em número insuficiente para a exigida e acrescida desinfeção e higienização dos espaços; percebíamos, que com as condições sugeridas pelas orientações da tutela, seria inevitável o risco de infeção e, por fim, sabíamos todos desde o mês de agosto que a segunda vaga viria em força e que as escolas iriam ficar sob forte pressão. Basta atentar no aumento exponencial do número de infetados no país, basta ver o número de casos ativos que não param de crescer nas escolas. Ou alguém acredita que as escolas e os seus públicos estão imunes ao que se passa no seu exterior? O Ministro da Educação acredita que sim e afirmou que as escolas são os espaços mais seguros do país. Concordamos que o são internamente, mas esquece também que o SARS-CoV 2 não fica à porta das escolas porque os alunos deslocam-se em transportes públicos para suas casas. Esquece, também, que professores e assistentes são das classes profissionais mais envelhecidas da administração pública e que, por isso, ficam também eles em risco e, por isso, muitos se encontram já de baixa médica.
Relativamente à classe docente, não se vislumbram medidas para o seu rejuvenescimento. Nesta década, o nosso sistema educativo perderá cerca de 60 mil professores e educadores por aposentação. No entanto, na proposta para o OE 2021 não existe nem visão nem planificação estratégica para rejuvenescer a classe docente, nem para tornar a profissão docente mais atrativa para os jovens que terminam o ensino secundário. Há a intenção, de facto, mas falta a ação.
Não se vislumbram tempos fáceis para as nossas escolas, muito menos para quem as tutela. No entanto, nas horas difíceis, precisamos de lideranças fortes e com um plano consistente, mas o que temos verificado é conformismo, falta de determinação, ausência de motivação à boleia justificada pela falta dos recursos humanos e financeiros necessários que tardam em aparecer.
Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.