A possibilidade de, na hora recrutar professores para as escolas, introduzir novos critérios que tenham em conta o trabalho já desenvolvido pelos docentes ao longo da sua carreira profissional poderá contribuir para melhorar não só o modelo de colocação de docentes, como para os valorizar. A ideia foi defendida por Ana Balcão Reis, presidente do Conselho Pedagógico da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) num debate na Hora do Público, transmitido em directo nesta sexta-feira ao fim da manhã.
O tema do debate, moderado pela directora adjunta do PÚBLICO Andreia Sanches, foi o actual modelo de recrutamento de professores bem como as mudanças que começaram esta semana a ser negociadas entre o Ministério da Educação e os sindicatos.
O ministro da Educação, João Costa, já disse que defende que deve ser dada mais autonomia às escolas na selecção dos seus docentes e que para tal deve ser desenvolvido um modelo “objectivo, rigoroso, criterioso”. A ideia é que os estabelecimentos de ensino possam seleccionar um terço dos seus professores.
Em três quartos dos sistemas educativos europeus as escolas ou os municípios são responsáveis pelo recrutamento dos professores do pré-escolar, ensino básico e secundário, de acordo com a rede europeia Eurydice. Não acontece em Portugal: no actual modelo, as escolas não escolhem os professores que entram nos quadros e os concursos baseiam-se sobretudo numa lista graduada nacional que ordena os docentes com base, essencialmente, no número de anos de serviço e na classificação de final de curso.
Ana Balcão Reis, uma das autoras do estudo O impacto do professor na aprendizagem do aluno, de 2021, lembrou nesta sexta-feira que os resultados da sua investigação mostraram que “a nota de final de curso [dos professores] não parece ter um efeito muito grande” na aprendizagem, quando esta é medida em termos de notas, ou de ter positiva ou negativa. E o mesmo sucede em relação aos anos de experiência. “É pena que esses sejam os critérios usados quando se faz o ranking dos professores na colocação nas escolas. Claro que para um professor que acabou de ser formado essa é a única informação que há, a nota de fim de curso, e faz sentido usá-la. Mas, se calhar, em professores que já tiverem anos de experiência podiam-se usar mais informações”, justificou.
“Não há muitos países tão centralizados como o nosso” no que toca às colocações de docentes, prosseguiu ainda. “É importante caminhar na direcção da autonomia das escolas. É importante conseguir integrar outros critérios que olhem para o que foi o trabalho anterior dos professores.”
Falta rever a avaliação e a formação
A falta de reconhecimento dos professores, apontou, será um dos motivos, entre vários, pelos quais menos pessoas procuram a profissão docente. “Um sistema de recrutamento que não olha de todo para a qualidade do trabalho que foi feito anteriormente também não contribui para esse reconhecimento. Penso que seria bom estudar se incluir o reconhecimento do trabalho feito não ajuda os professores a sentirem-se mais reconhecidos. Para mim não é evidente que alterar o modelo de recrutamento não ajude a atrair mais professores.”
Não é a opinião de Paulo Guinote, professor do 2.º ciclo do ensino básico, e outro dos convidados deste debate sobre o que deve mudar no recrutamento dos professores. O autor do blogue sobre temas da educação O Meu Quintal diz que não são as mudanças nos concursos que farão a diferença, mas sim as condições de trabalho. E colocou dúvidas quanto à isenção de quem dirige as escolas na hora de escolher directamente professores e quanto à respectiva capacidade dos dirigentes para avaliarem candidatos.
“Se a graduação profissional e o tempo de serviço não são os melhores critérios, eu tenho algumas reservas sobre a forma como vamos operacionalizar os outros”, defendeu. “Duvido bastante da capacidade ou da iluminação curiosa de pessoas que já não dão aulas há muito tempo mas conseguem, de repente, perceber: ‘esta pessoa é que se adequa ao meu projecto’.”
Guinote sublinhou que mais prioritário do que rever o modelo de recrutamento era rever a formação inicial de professores, o principal problema, na óptica do professor. “O que devíamos estar a discutir era a qualidade da formação dos professores, que chegam com grandes médias aos concursos, mas depois não são grandes professores. Então mas que formação de professores foi feita, em que moldes e como é que isso aconteceu?” Guinote defendeu ainda que se olhe igualmente para o modelo de avaliação de professores, ao qual apontou muitos problemas.
Já Ana Cláudia Cohen, directora do Agrupamento de Escolas de Alcanena, e vice-presidente do Conselho de Escolas, garantiu que existe capacidade e recursos nas escolas para levar a cabo um projecto capaz de as dotar de mais autonomia. Mas lembrou: “Depende do modelo, se for um modelo muito complexo então as escolas estariam mergulhadas no recrutamento e há vida além do recrutamento.”
Questionada sobre se há mecanismos para prevenir que haja atropelos à lei num modelo mais autónomo — um dos principais argumentos dos sindicatos de professores contra a contratação directa é que ela vai promover as cunhas e o “amiguismo” — a directora escolar recordou o “princípio inabalável” da transparência na administração pública.
“Cada pessoa que está à frente de uma escola sabe isso. Tudo depende do modelo que estiver proposto. Há toda uma série de situações que acautelam essa alegada tendência.”
Afirma a Cohen: “…a directora escolar recordou o “princípio inabalável” da transparência na administração pública.” Sim sim claro! Transparência…pois pois…
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