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Dois terços dos professores cortaram em conteúdos e na avaliação no primeiro confinamento

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No primeiro confinamento, dois terços dos professores não deu ou avaliou os conteúdos inicialmente previstos para o último período e o 1.º ciclo foi aquele em que menos mantiveram a planificação. Esta é apenas uma das conclusões de um estudo do Conselho Nacional de Educação, divulgado nesta terça-feira, que aponta ainda que apenas 8% das escolas tinha equipamentos suficientes e ligação à Internet com qualidade para fazer face aos desafios impostos pelo encerramento das escolas. Os professores são “quase unânimes” quanto à necessidade de terem formação em recursos educativos digitais e ensino a distância.

​O estudo do Conselho Nacional de Educação (CNE), Educação em Tempo de Pandemia: problemas, respostas e desafios das escolas, pretendeu identificar “as principais dificuldades sentidas, as respostas dadas e os desafios enfrentados pelas escolas portuguesas durante a primeira fase de confinamento, iniciada em Março de 2020”. Foi feito um inquérito por questionário, em Julho de 2020, a directores e a professores com funções de coordenação, nas escolas públicas. No caso dos directores, obtiveram-se 592 respostas válidas, o que corresponde a uma taxa de amostragem de 63%. No caso dos professores, 4338 enviaram respostas válidas, o que corresponde a uma taxa de amostragem de 29%, o que implica mais cautela na análise.

O 1.º ciclo do ensino básico foi aquele “em que menos professores mantiveram a planificação (19%) e o ensino secundário foi aquele em que maior percentagem seguiu o que estava previsto antes da suspensão das actividades lectivas presenciais (49%)”. O documento nota que “praticamente todos os professores com funções de coordenação (95%) indicaram que muitos ou mesmo todos os docentes aplicaram adaptações curriculares em que foi dada prioridade às aprendizagens essenciais”.

Aulas síncronas eficazes

Porém, “as sessões síncronas revelaram-se eficazes para atingir alguns objectivos”: para os docentes, foram eficazes para esclarecer dúvidas (89%), questionar e dar feedback (88%), explicar e clarificar conteúdos (83%), apresentar desafios e exercícios (81%), bem como para apresentar e sistematizar conteúdos (80%). “Para menos docentes, as sessões síncronas foram um contexto profícuo para a discussão e para apresentação oral de trabalhos pelos alunos (71% e 66%, respectivamente), para promover a interacção e a socialização dos alunos (60%) ou a argumentação e o debate (50%)”, lê-se.

De acordo com o documento, houve “mais docentes que experimentaram dificuldades na concretização do trabalho autónomo (68%) do que aqueles que o promoveram com facilidade (32%)”. Já no que “diz respeito a dar feedback aos alunos, verifica-se que foi fácil para aproximadamente metade dos professores (55%)”.

No que toca à concretização do trabalho autónomo, “quanto mais novas eram as crianças, maior foi a percentagem de docentes que tiveram dificuldade em implementá-lo: 88% dos educadores e 72% dos professores” do 1.º ciclo do ensino básico. “A falta de capacidade dos alunos para fazerem uma gestão e distribuição do tempo favorável à concretização das tarefas ou estabelecerem prioridades ao estudar foi percepcionada por 64% dos professores”, assinala o estudo do CNE que nota ainda que “menos de um quarto dos professores seguiu abordagens metodológicas em que o papel dos alunos na aprendizagem é central”.

O “trabalho de projecto não foi a opção de 74% dos professores e o trabalho por portefólio e a aula invertida não foram seguidos por 84% e 85%, respectivamente”. No entanto, “outras formas de envolver os alunos foram escolhidas por mais professores: a planificação e calendarização das tarefas com a participação dos alunos (77%) e a realização de jogos e desafios (53%)”.

Poucos trabalhos de grupo e debates

Quanto à organização do trabalho, “a tendência verificada foi a de não seguir modalidades que implicassem a interacção dos alunos”: “Com efeito, a maior parte dos professores poucas vezes ou nunca incentivou trabalho de grupo (83%), role playing (88%) ou debates (75%)”.

O estudo assinala, porém, que “a generalidade dos docentes mobilizou uma ampla diversidade de recursos, digitais e não digitais, alguns semelhantes aos utilizados no ensino presencial: fichas de trabalho (79%), vídeos (76%) e páginas da internet (72%), a par de apontamentos elaborados pelo professor (71%) ou de apresentações em PowerPoint (70%), ou ainda dos manuais escolares (68%)”. Já menos professores (29%) “utilizaram com regularidade ferramentas para a criação de recursos educativos digitais”.

Os resultados também mostram que “dos recursos educativos disponibilizados pela televisão e pela rádio, o #EstudoEmCasa é o mais conhecido pelos docentes (83%), tendo 76% recomendado aos seus alunos que assistissem às emissões” e tendo “a maior parte dos docentes” considerado que “esta programação foi relevante para atenuar as desigualdades de acesso ao ensino e à aprendizagem (76%)”.

Os autores do documento apontam ainda que a situação do ensino à distância “terá sido favorável a uma reflexão sobre a avaliação das aprendizagens” e que 16 em cada 20 professores “alteraram as metodologias de avaliação”: “A mudança das formas de recolha da informação foi a mais frequente (realizada por 50% dos docentes). O redireccionamento da finalidade da avaliação para a sua vertente formativa foi assinalado por 31% dos professores e a revisão dos critérios de avaliação por 26%”, lê-se.

Pais valorizam mais escola

Outras conclusões mostram que a “maioria dos professores considerou o aumento das desigualdades sociais (66%) e o aumento do risco de abandono escolar (51%) como ‘grave’ ou ‘muito grave’, como consequência possível do encerramento das escolas”. Por outro lado, a opinião de directores e docentes é a de que pais e encarregados de educação passaram a valorizar “mais” ou “muito mais” o papel da escola, sendo os três aspectos mais destacados, por professores e directores, a organização e apoio às aprendizagens; o desenvolvimento da autonomia e sentido de responsabilidade; e a socialização.

Outros dados do inquérito mostram que, para 49% dos directores, “os professores têm competências técnicas e pedagógicas necessárias para integrar os recursos educativos digitais no ensino”, mas 51% “discordam ou discordam completamente”. Neste aspecto, porém, “os professores são quase unânimes quanto à necessidade de terem formação em recursos educativos digitais e ensino a distância” – 98% concordaram com esta afirmação. “Apesar de metade considerar que se conseguiu ultrapassar as dificuldades do ensino a distância, de modo a que a pouca familiaridade com os dispositivos e recursos digitais não afectasse o ensino, quase todos concordaram com a necessidade de terem formação nesta área”, salienta o estudo.

A “falta de formação adequada dos professores, dos alunos e das famílias para a utilização de recursos digitais” é uma dificuldade assinalada. Para cerca de 41% dos directores e 47% dos professores, o ensino remoto “terá sido ‘afectado ou muito afectado’ pela inadequação das competências digitais dos professores”. Já para a maioria dos directores (79%) e dos professores (80%) “foi ‘afectado ou muito afectado’ pela falta de formação adequada dos alunos e das famílias na utilização de recursos digitais”.

Os dados apontam que 36% dos docentes “tem formação em ferramentas digitais elementares”, como as que “permitem produzir documentos escritos, fazer cálculos simples ou apresentações”. E também que a maioria dos professores usa “mais frequentemente ferramentas e recursos digitais de âmbito generalista”, como pesquisas na Internet (97%) e apresentações PowerPoint (78%), “do que ferramentas e recursos diferenciados, como, por exemplo, avaliar os alunos através de aplicações online”.

O estudo assinala ainda que a maior parte das escolas (86%) realizou “acções de formação interna sobre utilização e criação de recursos digitais”, registando-se uma percentagem “expressiva” de directores que “referiu ter promovido sessões de formação dirigidas a professores (81%), mas também a alunos e famílias (48%), visando apoiá-los na utilização de plataformas de comunicação”.

O documento também indica que “as escolas com mais dificuldades em lidar com baixos níveis de competências digitais de alunos/famílias e dos professores tiveram 30% dos alunos sem equipamento digital”. Integram, lê-se, “uma população desfavorecida, onde mais de 5% dos alunos não participaram em nenhuma das actividades escolares durante o período de ensino remoto”. Situam-se “em territórios de baixa ou muito elevada densidade populacional, onde não existiam projectos relacionados com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), mas onde alguns dos seus directores consideram vir a adoptar este tipo de projectos (14%) e a dinamizar formação em recursos digitais para os professores (21%)”.

92% das escolas sem equipamentos suficientes

Mas o CNE também concluiu que o ensino remoto foi dificultado “pelo número insuficiente de dispositivos digitais e de uma ligação à Internet de qualidade”: “Na opinião dos directores, para fazer face ao ensino remoto de emergência, a maioria das escolas em Portugal (92%) não dispunha de equipamentos em número suficiente, nem de ligação de Internet com qualidade. E numa percentagem expressiva de escolas (80%), a falta desses dispositivos por parte dos alunos e famílias afectou o trabalho”, lê-se no documento, no qual se acrescenta que, “apesar de ter sido um problema transversal”, foram “evidentes assimetrias na distribuição territorial das escolas atingidas por essa falta de dispositivos digitais”, destacando-se o Alentejo litoral, o Tâmega e Sousa, o Alto Tâmega e a Beira Baixa como as regiões com mais escolas muito afectadas.

As escolas muito afectadas, pela falta de recursos digitais dos alunos e das famílias, tinham “mais alunos provenientes de contextos desfavorecidos”, tinham “mais de 10% de alunos com necessidades específicas e 10% ou mais com Português Língua Não Materna”. E onde “mais de 30% dos alunos não tinham equipamento digital”. Eram ainda “escolas de menor dimensão, no que respeita ao número de alunos, e as que ministravam todos os níveis e ciclos de educação e ensino”.

O estabelecimento de parcerias com a comunidade foi uma das estratégias adoptadas: “Estas parcerias foram concretizadas através do fornecimento de equipamentos e ligação à Internet (apoio referido por 76% dos directores), bem como na distribuição e recolha de materiais de apoio à aprendizagem a alunos que não dispunham de dispositivos digitais”, lê-se. Assim, “93% dos directores indicaram que recorreram a vias de comunicação alternativas para estabelecer contacto com aqueles alunos e 40% assinalaram ter recorrido a contactos pessoais”. As autarquias – municípios (61%) e juntas de freguesia (23%) – “foram as entidades que mais colaboraram com as escolas”.

Ainda assim, o estudo também indica que cerca de metade dos docentes considera que o ensino à distância “não comprometeu as aprendizagens, sendo de registar que a maioria (78%) dos alunos cumpriu com regularidade as tarefas”. 52% considera que o ensino à distância “não comprometeu a consecução de aprendizagens”; 48% considera que sim. Isto não implica que os alunos não tivessem aumentado as dificuldades de aprendizagem – o documento assinala mesmo uma “maior convergência na opinião dos professores quanto ao aumento das dificuldades de aprendizagem (72%)”. Tal foi “mais notado” por docentes do 1.º ciclo do ensino básico (76%) do que pelos de outros níveis.

Público