A pandemia de covid-19 está a mudar as escolas. E talvez seja para sempre. Mas os ritmos e as formas a que professores e alunos se estão adaptar às aprendizagens à distância são muito diferentes. Se há casos de sucesso e docentes motivados com a oportunidade de usar novas tecnologias, também há muita incerteza sobre a forma como alguns alunos carenciados estão a ser acompanhados. E o receio de que haja um agravamento das desigualdades sociais quando a escola depende do acesso a bens como telemóveis, computadores e ligação à internet.
Vítor Bastos, professor de Geografia do 3,º ciclo, trabalha com o Iclass há 4 anos e, quando soube que o Estado ia fechar todas as escolas do país por causa da pandemia do novo coronavírus percebeu que podia usar a sua experiência para ajudar outros colegas. Criou o grupo de Facebook e-learning-apoio com o objetivo de partilhar experiências e dar alguma formação.
Numa semana, o grupo ultrapassou os 18 mil membros: todos professores à procura de ajuda, a partilhar experiências, a tentar perceber como podem continuar a ajudar os alunos em plena quarentena.
19 mil professores à procura de ajuda online
Para Vítor Bastos, há muito que “a sala de aula com os alunos em filinha morreu”, todos têm um tablete e cada estudante “é ele próprio produtor de aprendizagem” numa lógica de cruzamento de disciplinas que faz com que o conhecimento seja transversal. Mas esta não é a realidade de muitos dos quase 19 mil membros do grupo de Facebook que criou.
Vítor Bastos está consciente de que trabalha com “um contexto sócio-económico que permite que cada um tenha um tablete” e que nem todos os docentes lidam com essa realidade. Prefere, contudo, não se concentrar nas “barreiras” que admite existirem, “O grupo baseia-se no #sousolução”, diz à SÁBADO o docente do Colégio Vasco da Gama.
“Eu tenho acesso à net, por que não hei-de partilhar com vizinhos? As juntas e câmaras podem criar pontos de acesso e a operadoras deviam abrir o acesso à internet. É um momento crítico”, frisa, explicando que o grupo está estruturado de forma a poder ajudar tanto os professores que estão agora a dar os primeiros passos no ensino à distância como os que estão mais avançados.
Vítor Bastos é dos que acreditam que “esta crise vai mudar as escolas” e que o Ministério da Educação tem de encarar “a possibilidade de no final do ano voltar tudo para casa”. A lição que, defende, devia ser retirada desta quarentena nacional é a de que devemos “prepararmo-nos sempre para o pior”.
O professor de Geografia acha mesmo que o Ministério da Educação “não está preparado para exames online”, mas devia dar seguimento “a alguns testes piloto” que já foram feitos para acautelar a possibilidade de não ser possível uma época de exames tradicional em sala de aula.
Formação, avisa, é a palavra-chave. “Para se perceber, 45 minutos em e-learning correspondem a uns 10 minutos de uma aula presencial, porque há que gerir a parte tecnológica e a dinâmica é diferente. É preciso saber planear trabalhos e aprendizagens tendo isto em mente”.
“Nunca estive tão próxima dos meus alunos”
Em 40 anos de ensino, Paula Vaz nunca tinha ensinado os alunos à distância. Esta semana está a ser a sua estreia. Mas o e-learning não é novidade para a escola pública onde trabalha e isso faz toda a diferença. A professora de Português, Francês e Cidadania do Agrupamento de Escolas de Mangualde assegura que trabalhar desta forma a está a aproximar dos alunos de 7.º ano a quem dá aulas e “ajuda a passar esta parte triste das nossas vidas”.
O Agrupamento de Escolas de Mangualde faz parte do projeto de Ensino Secundário Recorrente à Distância ou ESR@D, o que significa que já tem professores treinados no e-learning, nomeadamente dando aulas a estudantes que estão em Angola ou a filhos de emigrantes. E isso fez toda a diferença esta semana. “Com base nessa experiência, o nosso diretor pôs logo a máquina a funcionar”, conta à SÁBADO Paula Vaz, explicando que o trabalho durou todo o fim de semana que se seguiu ao anúncio do encerramento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus e que nesse tempo foi possível criar um e-mail institucional para todos os alunos. Depois cada professor começou a contactar os respetivos alunos para começar o trabalho à distância.
“Temos uma plataforma que se chama Inovar, que é conhecida da maioria das escolas em Portugal e que permite, por exemplo ter os sumários digitais. No domingo, avisei os meus alunos para estarem atentos aos sumários online na plataforma”, explica a docente.
A experiência não podia estar a correr melhor. “Tenho alunos que não tendo internet não fizeram. Mas tenho 80% a responder atempadamente às fichas que envio”. E a vantagem de haver uma auto-correção que, para a professora se traduz noutra atitude de responsabilidade.
“Nunca estive tão próxima dos meus alunos”, garante Paula Vaz, que teve surpresas com o trabalho que pediu aos alunos sobre esta experiência da covid-19. “Recebi textos belíssimos e tem havido uma troca de experiências e desabafos”.
“Os alunos estão a trabalhar de facto, quando em sala de aula alguns deles estavam à conversa e não faziam nada”, revela a docente, já entusiasmada com as novas ferramentas que até há pouco tempo nem sequer dominava. “Para a semana vou usar Skype e o Zoom”, garante.
Professora numa escola pública, numa zona em que “uma grande percentagem dos alunos vive em aldeias e há muitas mães domésticas”, Paula Vaz não sente que o ambiente sócio-económico seja um entrave ao ensino à distância. “Em Mangualde, temos a fábrica automóvel da PSA, por isso temos muitos filhos de operários, filhos de camionistas, uns 20% vivem da agricultura, mas o nível não é baixo. Há poucos os alunos com país no desemprego ou a viver do RSI, talvez uns 10%. E todos são meninos educados, sem problemas de comportamento”, descreve.
Uma coisa é certa nas três escolas do Agrupamento de Mangualde, há neste momento cerca de 2600 alunos (incluindo do 1.º ciclo), que estão a experimentar de alguma forma o e-learning.
“O e-learning não é fazer fichas”
José Marques tem 41 anos, é professor de Matemática há 15, e usa a tecnologia desde sempre. Esteve os últimos quatro anos nos Pupilos do Exército a criar um projeto de ensino tecnológico da Matemática e está agora a fazer o mesmo no Agrupamento Pedro Jaques de Magalhães em Alverca, só com turmas de 5.º ano.
Na escola pública onde trabalha, é preciso ter a sorte de aceder a uma das duas salas de informática equipadas com computadores para poder recorrer ao ensino digital. E isso nem sempre é fácil, porque muitas vezes estão ocupadas com aulas de Tecnologias da Informação ou são requisitadas por professores. Mas José Marques tem conseguido pôr os alunos a aprender Matemática com um bloco de notas One Note, com o qual fazem de forma autónoma sequências de tarefas, que depois podem complementar ou rever em casa. Está, como o próprio diz, “a lançar a semente” do uso de tecnologia em sala de aula.
Não se pense que tudo o que faz envolve computadores. Os exercícios que leva para a sala de aula incluem tampas de garrafas e torres de esparguete. “Alunos motivados é meio caminho andado”.
Parece estar a ter bons resultados. “Consegui fazer com que Matemática fosse a disciplina favorita dos miúdos e tenho feedback positivo de alguns encarregados de educação. Ainda ontem recebi o mail de uma encarregada de educação que diz ver no filho uma maneira diferente de trabalhar e me queria agradecer por isso”, conta à SÁBADO.
Com esta experiência, José Marques não se assustou quando soube que a covid-19 ia obrigar a ensinar à distância. Mais: o professor quer “que não se perca” a verdadeira revolução que esta pandemia está a trazer às escolas. “Isto pode ser o primeiro passo para uma mudança de pensamento”, nota o docente que tem visto no grupo de apoio no Facebook “muitos professores a investir tempo, muita gente a querer aprender” a usar ferramentas de ensino digital.
Com um mestrado em e-learning, José Marques avisa, no entanto, que boa vontade não chega. “Muitos professores estão a mandar muitas fichas. O e-learning não é fazer fichas. Fazer fichas não é estimulante. Tem de ser um trabalho diferente e falta formação aos professores”.
Também falta tecnologia às escolas públicas, mas José Marques está a tentar dar a volta a isso, com a candidatura de um aluno ao orçamento participativo jovem para comprar tabletes para todos, num esforço que pretende também reduzir o peso das mochilas que todos carregam para a escola. E confessa estar “à procura de parceiros” em empresas para tornar realidade estas ideias.
Esta semana, tem acompanhado os alunos à distância. “Eles têm tarefas para fazer, respondem a formulário e têm uma correção automática com explicação para erro. Outros exercícios corrijo eu porque são de desenvolvimento”. Num dos trabalhos, teve 70% de alunos a responder. Num meio que caracteriza como “de classe média”, diz que terá cinco casos sem internet em 60 alunos.
Na semana que agora começa o desafio vai ser dar formação à distância aos colegas para garantir que as reuniões de avaliação do segundo período, que estão quase a começar, se fazem por videoconferência. “Vamos usar o Google Teams e podemos fazer as reuniões com um telemóvel, um computador ou tablete. É preciso é que tenha microfone”, afirma.
“Em 34 alunos, tive resposta de dois”
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Fonte: Sábado