Há cada vez mais dados e certezas sobre o impacto que o fecho de escolas durante meses, em 2020 e em 2021, teve na perda de aprendizagens, sobretudo entre os alunos de famílias com menos recursos. O que um estudo agora concluído mostra é que os confinamentos também tiveram consequências junto das crianças que fizeram o último ano do pré-escolar em pandemia. E que chegaram entretanto ao 1º ano do ensino básico com menos capacidades em áreas consideradas fundamentais para a transição de ciclo do que as demonstradas pelos colegas em anos anteriores.
O estudo, realizado pelas Universidades de Aveiro e de Coimbra e pela associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS), sobre os efeitos do confinamento na aprendizagem pré-escolar em Portugal, que será apresentado publicamente na próxima semana, abrangeu mais de 11 mil alunos, de 318 escolas, nos anos letivos de 2018/2019 a 2021/2022. Ou seja, permitiu perceber o estádio de desenvolvimento em que um grupo alargado de crianças iniciou a escolaridade obrigatória nos dois anos antes da pandemia e nos dois afetados pelo fecho de escolas.
As diferenças entre crianças com mais e menos meios em casa “acentuaram-se significativamente”
Os investigadores quiseram perceber ainda se as diferenças foram causadas pelo estatuto socioeconómico e/ou pela existência de um local sossegado para estudar. Para isso, os alunos preencheram um questionário e realizaram uma prova com várias tarefas de abordagem à escrita, à matemática e à capacidade motora que é suposto serem capazes de realizar por volta dos 5/6 anos, após a conclusão do pré-escolar.
O estudo mostra que as perdas entre as crianças que fizeram o último ano do pré-escolar em pandemia aconteceram nas três áreas, mas com impactos diferentes.
No caso das tarefas que remetem para a capacidade de escrita — a identificação de vogais e ordenação de partes de uma história que ouviram foram dois dos exercícios pedidos —, a investigação concluiu que o confinamento fez com que os desempenhos piorassem de forma significativa, sobretudo durante o primeiro período de encerramento de jardins de infância e escolas. Apanhados de surpresa, escolas, professores, famílias e alunos tiveram de montar e adaptar-se a um ensino à distância diário e permanente, pelo qual nunca ninguém tinha passado.
Mas o impacto da novidade não foi sentido por todos de igual forma. As diferenças de competência entre crianças com alto e baixo estatuto socioeconómico, já verificada em anos pré-pandémicos, “foram significativamente acentuadas” neste período. Portanto, as desigualdades educativas causadas pela diferença de recursos em casa aumentaram ainda mais.
“Se antes da pandemia a diferença entre os alunos de alto e baixo estatuto socioeconómico era de 0,37 pontos no exercício de identificação de vogais, após a primeira vaga o valor subiu para 1,1 pontos. Na prática, as crianças com mais recursos passaram a conseguir identificar com sucesso mais uma vogal do que os colegas com menos”, explica Pedro Bem-Haja, investigador da Universidade de Aveiro (UA) e coautor do estudo, com Paulo Nossa, da Universidade de Coimbra, Carlos F. Silva, da Universidade de Aveiro, e Diogo Simões Pereira, diretor-geral da EPIS.
APOIAR QUEM MAIS PERDEU
No que diz respeito à aprendizagem da matemática, medida através de exercícios de contagem e seriação, registaram-se piores desempenhos, mas apenas entre os alunos de famílias com menos recursos. Comparando com os colegas em condições semelhantes, mas que não viveram o pré-escolar em pandemia, estas crianças demonstraram mais dificuldades. “O estatuto socioeconómico mais favorável funcionou como fator protetor de perda de aprendizagem para as tarefas de Matemática”, lê-se no estudo.
Entre os que apresentam um estatuto socioeconómico mais baixo houve um decréscimo no resultado de aprendizagem da matemática três vezes superior ao encontrado nos alunos com mais recursos, sendo que entre este último grupo a variação não foi estatisticamente significativa.
Para atenuar as perdas de competência, estes alunos não deverão ficar sem uma intervenção estruturada”, defende o diretor-geral da EPIS
Neste aspeto, os resultados encontrados para as crianças mais novas contrastam com os dados já obtidos para os mais velhos, em que as perdas de aprendizagem se fizeram sentir de forma muito mais notória a Matemática do que a Português. “Nestes primeiros anos, a abordagem à leitura acaba por ser algo mais complexo e a necessitar de muito maior monitorização dos pais do que os primeiros reconhecimentos numéricos, contagem e cálculo. Só depois a matemática fica mais complicada”, explica Pedro Bem-Haja.
A terceira componente avaliada dizia respeito à capacidade motora. Copiar figuras, indicador da motricidade fina das crianças, foi uma das tarefas pedidas e os resultados mostraram piores resultados — decréscimo de até 40% no resultado global da tarefa — para quem viveu o último ano do pré-escolar em situação de confinamento. Mas, ao contrário do que aconteceu nas outras áreas, a deterioração “não foi modelada pelo nível socioeconómico, piorando de forma homogénea em todos os alunos avaliados neste estudo”.
Outras investigações têm demonstrado impacto positivo que a frequência da educação pré-escolar tem no sucesso escolar nos anos subsequentes. E o problema é que as perdas sentidas por estes alunos podem repercutir-se ao longo do 1º ciclo se nada for feito, alerta o investigadora da UA.
“De modo a atenuar as perdas de competência identificadas neste estudo, estas crianças não deverão ficar sem intervenção intencional e estruturada, sobretudo em idades em que a plasticidade neuronal é elevada. A escola tem margem para encetar tarefas de remediação e cumprir o seu papel de elevador social”, defende o diretor-geral da EPIS, associação que tem como missão principal ajudar a combater o abandono e insucesso em escolas de contextos mais desfavorecidos.