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Como resolver o problema da falta de professores – Carlos Ceia

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De repente, todos despertaram para a falta de professores: os políticos que estiveram no poder nestes últimos seis anos já têm a solução, mas vão-se embora e não a podem implementar, mesmo que o problema já existisse precisamente quando chegaram ao poder (e se ousarem desculpar-se com quem veio atrás, basta recuar a 2016, quando o Conselho Nacional de Educação produziu um relatório técnico que explica bem a necessidade de formar mais professores nos 15 anos seguintes, o que foi simplesmente ignorado).

A proposta de uma revisão do Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência na Educação Pré-Escolar e nos Ensino Básico e Secundário circula ainda em circuito fechado e aí ficará até às eleições. É pena, porque devia estar em discussão pública, mesmo sabendo que não pode ser implementada de imediato. Dentro desta discussão, importa esclarecer as condições em que é possível implementar uma medida de largo alcance, que, não resolvendo por completo o problema da falta de professores, pode ajudar significativamente a reduzi-lo:

  1. É preciso de alguma forma recuperar a essência do que foi o modelo de profissionalização em serviço, certamente o melhor modelo que tivemos na formação inicial de professores nos últimos 40 anos – acrescentaria que os modelos de profissionalização em serviço (Decreto-Lei n.º 287/88) e profissionalização em exercício (decretos-lei n.º 344/89 e n.º 1/98) foram, de facto, os melhores que tivemos até hoje.
  2. Devemos assumir que o desempenho de um mestrando/professor estagiário a tempo inteiro de funções docentes, com turmas próprias, numa escola cooperante, durante a iniciação à prática profissional, implica retribuir financeiramente esse trabalho docente, obrigando a uma solução jurídica inédita que consiga compatibilizar o estatuto de um aluno de mestrado em formação profissionalizante com o de um funcionário público que presta um serviço público completo para o qual deve existir a correspondente retribuição financeira, tal como existia no antigo modelo de profissionalização em serviço.
  3. Este princípio já está no documento esquecido Pareceres 2016 do CNE. Também acrescento que o mesmo CNE já havia recomendado, em parecer de Março de 2021, que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) incluísse verbas para a formação inicial de professores.

A revisão do actual Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência na Educação Pré-Escolar e nos Ensino Básico e Secundário obrigará as instituições formadoras a um novo exercício de acreditação junto da A3ES (em 2021 concluíram-se quase todos os ciclos regulares de avaliação/acreditação dos actuais mestrados em ensino), processo impossível de concluir em menos de um ano. Para o curto prazo, será sempre necessário articular esta medida com outras menos complexas em termos técnicos, mas que exigem igual coragem política:

  1. Entrada imediata dos novos professores profissionalizados nos quadros de agrupamento ou de escola.
  2. Criação de incentivos à fixação dos professores deslocados da sua área de residência, a exemplo do que acontece em tantas outras profissões públicas e que nunca mereceu de nenhum Governo até hoje uma atenção mínima para esta realidade que afastou tantos profissionais do ensino.
  3. Dar mais autonomia às escolas para as contratações necessárias para completar os seus quadros de docentes.
  4. Eliminar do currículo disciplinas que ocupam hoje um espaço excessivo – por exemplo, Cidadania e Desenvolvimento, que é obrigatória em todos os anos do Ensino Básico e ainda facultativa no Ensino Secundário. Não vejo necessidade de ir mais longe do que oferecer esta disciplina transversal uma vez em cada ciclo do Ensino Básico, o que daria mais algum espaço de manobra para que os muitos docentes que completam horários, do 5.º ao 9.º anos sobretudo, com esta disciplina possam ser libertados para mais turmas das disciplinas da sua área de docência.
  5. Convencer jovens licenciados a optar pela carreira docente, via um mestrado em ensino. O projecto mal explicado pelo Governo sobre a necessidade de atrair diplomados de várias áreas para a docência, oferecendo-lhes formação teórica à distância via Ensino Superior e formação em serviço/exercício via escolas cooperantes levanta muitas interrogações jurídicas. Por exemplo, como resolver a coexistência dos dois modelos tão diferentes numa mesma instituição de Ensino Superior: a distância para uns e em regime presencial (em vigor) para outros? Qual a legitimidade dos dois diplomas face às condições opostas e desiguais de aquisição da mesma habilitação profissional? É sabido que alguns países nórdicos, por exemplo, têm modelos laterais de aquisição de habilitação docente, semelhantes, em teoria, ao modelo proposto agora pelo Ministério da Educação (ME).
    O parecer “Regime de seleção e recrutamento do pessoal docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário” do CNE (2020) descreve vários desses exemplos nacionais (p. 83ss). Mas há aqui uma variável que faz toda a diferença: em países como Finlândia, Eslovénia, Holanda, Dinamarca e Suécia, os professores candidatam-se directamente às escolas pelas vagas específicas existentes. Ou seja, um modelo aberto e diversificado de aquisição de habilitação profissional exige um modelo de emprego docente descentralizado do Estado, para poder permitir que seja o critério do empregador (escola/município) local a decidir que perfil de professor pretende recrutar, olhando de perto o seu percurso de formação. Fora deste sistema, não teríamos como distinguir, num concurso nacional, diplomados com formações tão díspares (é certo também que isso já acontece com as formações da Universidade Aberta vs formações presenciais dos mestrados em ensino de outras instituições, mas o modelo sugerido pelo ME reporta-se à mesma instituição poder fornecer as duas modalidades de formação em simultâneo, o que me parece impraticável quer em termos dos actuais recursos docentes existentes no Ensino Superior na área da formação de professores quer na construção de cargas horárias compatíveis para esses docentes).
  6. Assim, continuo a acreditar que o investimento motivacional deve ser feito nas instituições formadoras, por um lado, e no empregador (ME) por outro. Aquelas têm de apostar mais no aconselhamento à saída dos cursos de 1º ciclo; este tem de melhorar todas as condições de carreira dos seus funcionários e contribuir para que a sua imagem social seja mais positiva.
  7. Da mesma forma, é preciso persuadir todos aqueles que nos últimos anos abandonaram a profissão, possuindo habilitação profissional adequada, ou porque lhe faltaram oportunidades perto do seu local de residência, ou porque desistiram após algum tempo de experimentação na vida real das escolas onde encontraram um ambiente longe das suas expectativas, ou porque cederam face à cada vez maior exigência burocrática da profissão que impede a maior parte dos professores de ter tempo sequer para pensar as suas aulas, ou tantas outras razões pessoais e interpessoais que não convidaram à permanência. Este grupo indefinido será difícil de reconquistar, mas valia a pena tentar criar condições de recrutamento capazes de levar este contingente de ex-docentes profissionalizados a ponderar o regresso à profissão docente.

Para resolver o problema da falta de professores em Portugal é preciso um esforço conjugado de muitas medidas. Desiluda-se quem pense que consegue resolver o problema com uma única medida e a curto prazo. Nenhum país que sofreu este problema – e na Europa não faltam países que ainda hoje tenham este desafio pela frente − foi capaz de o resolver de um dia para o outro, também porque demoraram tanto tempo a resolvê-lo como demoraram a chegar à consciência colectiva de que ele existe.

1 COMENTÁRIO

  1. …atenção malta jovem não se iludam … quem não resolve um problemasinho de um professor contratado há 30 anos e a 5 do limite da reforma sem qualquer possibilidade de entrar nos quadros não irá decerto resolver os vossos problemazecos como vocês esperariam de gente de boa fé!

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