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Como o sistema de ensino está a falhar os nossos filhos e o que fazer a esse respeito – Teresa Roque

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O sistema de ensino tradicional foi construído a pensar como melhor servir as necessidades de uma sociedade industrial. Os alunos eram forçados a receber grandes quantidades de informação padronizada que teriam de reter de forma mecânica, memorizando, e eram testados através de testes uniformizados e únicos. O problema é que, atualmente, toda essa informação está acessível ao premir de uma tecla nos seus telemóveis. Assim sendo, que necessidade têm agora os alunos de memorizar? E, afinal, até que ponto e quanto aprendem de facto por via da memorização? Há muito que sabemos que num sistema de ensino baseado no professor tradicional omnisciente, as taxas de retenção variam entre 5 e 10%. Um número bastante sombrio em qualquer contexto.

O nosso atual sistema de ensino ainda se baseia nos princípios de conformidade e concordância. A maioria das pessoas ainda crê que inteligência humana é sinónimo de bons resultados académicos. E esta é uma conceção muito limitada de inteligência e de competência. Elon Musk recentemente afirmou numa das suas publicações nas redes sociais: “Odeio quando as pessoas confundem formação académica com inteligência. Qualquer um pode ter um diploma de bacharel e ainda assim ser um idiota.” Não posso estar mais de acordo.

O problema que se põe é que se tomarmos como ponto de partida uma conceção limitada de competência, gerar-se-á automaticamente uma ampla   conceção de incompetência. Faz sentido, certo?! Isto também significa que haverá um grande número de pessoas que pura e simplesmente não encaixam neste perfil exclusivamente académico e que necessitam, segundo estes padrões limitados, de ajuda “corretiva”.

Mas o nosso mundo mudou desde então. Conformidade e concordância são relíquias do passado. O mundo em que vivemos é muito mais acelerado e complexo do que era. Para enfrentar estes novos desafios, não precisamos de conformidade e concordância. Todavia o sistema educativo continua colado a metodologias desatualizadas.

Nos últimos vinte anos, assistimos ao posicionamento competitivo de escolas, universidades e países em tabelas de classificação. Mas estes rankings não contribuíram em nada para elevar os padrões, melhorar as taxas de motivação ou os níveis de envolvimento dos alunos, ou até mesmo para a motivação dos professores. O que estamos a fazer para incutir nas pessoas o entendimento de que hoje é necessário abraçar a ideia de uma aprendizagem ao longo da vida? Chegou a hora de repensarmos a nossa abordagem ao ensino e de adaptar as nossas escolas e universidades às necessidades do mercado.

Em Portugal, a taxa de abandono escolar precoce no início dos anos 90 era de cerca de 50%. Desde então, caiu para cerca de 10,6%, uma melhoria acentuada, mas ainda acima da média na Europa. Pouco mais de um terço dos jovens entre os 20 e os 25 anos estão na universidade. Isso significa que dois terços não estão. Estes são dados estatísticos preocupantes.

A taxa de abandono escolar precoce é apenas a ponta do iceberg do problema. Todas aquelas crianças desinteressadas, desmotivadas e que, com certeza, não gostam da escola não contam para este número. Por que será que hoje em dia 10% das crianças e adolescentes (principalmente rapazes) são diagnosticados com transtorno perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA)? Não nego a existência desta patologia em alguns alunos; mas pergunto-me se isto se tornou uma epidemia ou se será uma consequência de qualquer outra coisa?

Os seres humanos são naturalmente diferentes e diversos (qualquer pai ou mãe com mais de um filho poderá atestar isto prontamente), curiosos e criativos. São estas nossas características que nos fizeram florescer como espécie. O sistema educativo atual não estimula nenhuma dessas opções. O ensino não deve ser apenas um mero sistema de transmissão de conhecimento entre as diferentes gerações através dos tempos. Os melhores professores, e há óptimos professores apesar do atual sistema de ensino, não se limitam a transmitir informação, mas orientam, estimulam, provocam e envolvem os alunos na busca do conhecimento.

Um estudo da UNESCO concluiu que um ano de escolaridade aumenta o rendimento de um indivíduo em até cerca de 10%. O mesmo estudo acrescenta que cada ano adicional de escolaridade aumenta o PIB médio anual em 0,37%. Mas os benefícios da educação académica excedem em muito a sua contribuição para o rendimento individual, para o crescimento do PIB e para a média de produtividade nacional. Mais anos de escolaridade contribuem para reduzir o crime, a alienação e a desigualdade. Promovem a saúde e um maior bem-estar. Contribuem para uma maior participação cívica. Em suma, um nível de escolaridade mais alto, melhor e mais adaptado aos dias de hoje é a base de uma sociedade mais produtiva e mais justa.

É imperativo que países como Portugal, de baixa densidade populacional e sem recursos naturais, se tornem sociedades de conhecimento. Este é o objetivo principal da Fundação José Neves, uma iniciativa filantrópica recente, liderada e financiada exclusivamente pelo fundador da Farfetch, uma empresa retalhista online de moda de luxo. José Neves anunciou publicamente que vai doar três quartos dos seus ativos a esta Fundação – algo até agora inédito em Portugal.

O ensino é para preparar as gerações futuras. Ninguém sabe como será o mercado de trabalho em 2030 e muito menos em 2050, para as crianças que nascem hoje. Mas há algo que todos sabemos: será com toda a certeza um mercado de trabalho muito diferente do de hoje e muito provavelmente exigirá competências muito diferentes das que estão a ser desenvolvidas e pelo sistema de ensino atual. Já sabemos, por exemplo, que globalmente 34% dos empregadores não conseguem recrutar a pessoa certa – por outras palavras, existe já um “mismatch” (um desencontro) entre as competências dos nossos alunos e as necessidades do mercado de trabalho. Isto irá muito provavelmente aumentar à medida em que a automatização de empregos progredir e em que novos empregos venham a ser criados. Aliás, espera-se que, até 2030, trinta por cento dos empregos estejam em risco de automatização.

Não será altura de nos perguntarmos quais as competências que serão valorizadas no futuro e como reformar o sistema educativo para melhor promovê-las? Existe neste momento já grande procura de competências como: competências de comunicação, competências colaborativas, criatividade na resolução de problemas complexos, pensamento crítico e criativo, capacidade de implementar soluções. O sistema educativo precisa igualmente de investir mais em traços de caráter como determinação, perseverança, autoconhecimento, capacidade de lidar com o fracasso, incerteza, e maior apetência para o risco. Podemos ainda juntar-lhes qualidades como a empatia, o otimismo, a curiosidade e uma necessária e continua aprendizagem ao longo da vida. As competências específicas exigidas pelo mercado de trabalho, bem como a sua complexidade mudarão, muito provavelmente, várias vezes ao longo das futuras carreiras profissionais. O mercado irá exigir que estas sejam constantemente aprimoradas ou requalificadas. Por tudo isto, o sistema de ensino precisa de capacitar os alunos com estas competências transversais de que irão necessitar para se adaptarem a um mundo em rápida mudança.

Como deverá ser a educação no século vinte e um? É provável que várias tendências globais tendam a moldar o sector nos próximos anos. O currículo educativo tenderá a evoluir para o desenvolvimento de competências e de capacidades, ao invés do simples armazenamento de conhecimento. O sucesso não será medido apenas em notas ou através de testes padronizados (que se tornarão mais diagnósticos e formativos por natureza e não o propósito de toda a educação). Os futuros empregadores procurarão aqueles que evidenciem competências sociais, competências digitais e aptidões cognitivas.

Os programas curriculares terão tendência para virem a ser desenhados à medida das necessidades individuais de forma a contribuírem para uma edificação sobre os pontos fortes dos alunos e é bem provável que venhamos a assistir a uma maior combinação de situações de ensino/aprendizagem em sala de aula com a experiência de trabalho prática. Terá que existir desde o início uma maior cooperação entre escolas e universidades e empresas para uma maior adaptação das competências a desenvolver às necessidades futuras do mercado.

Haverá uma mudança em direção a uma aprendizagem social mais colaborativa e com recurso às redes sociais para apoio e tutoria entre pares. A pirâmide da aprendizagem mostra-nos que os índices médios mais altos de apropriação de conhecimento acontecem quando os alunos se entre-ajudam, explicando uns aos outros o que aprenderam, em grupos de discussão e através de experiência prática. Os alunos tornar-se-ão mais interventivos no seu processo de aprendizagem, em oposição ao tradicional papel passivo de meros recetores de conhecimento. Quer a aprendizagem baseada em projetos, quer a aprendizagem baseada em investigação apelam a um papel mais ativo dos alunos na construção do seu conhecimento.

software educativo baseado na web será desenvolvido conjuntamente com conteúdos já existentes, como acontece com o ensino providenciado pela Khan Academy. Não constitui qualquer surpresa que vejamos, no momento, empresas de Tecnologias de Informação a desempenharem um importante papel no ensino, desenvolvendo escolas do futuro, construindo jogos de computador educativos de última geração e outras ferramentas pedagógicas.

Os empregadores tenderão cada vez mais a valorizar credenciais alternativas, como diplomas e certificados de pequenos cursos específicos de duração mais curta. Hoje em dia, nem todos precisam de ir para as mesmas universidades de elite que tendem a “fabricar” produtos com ideias similares. Somos todos diferentes e as nossas diferenças devem ser celebradas. Mais universidades oferecerão estágios de verão para crianças em idade escolar. Como já foi dito, estudantes do ensino secundário e universidades terão maior controlo sobre seu percurso académico.

A qualidade do professor sempre foi a alavanca mais importante para melhorar os resultados dos alunos. Temos que atribuír um status mais elevado à profissão docente. Vejam só Singapura, onde só os melhores alunos é que podem ser professores. Mas isto não basta. As escolas deverão investir constantemente no desenvolvimento profissional dos seus professores. Sir Ken Robinson, um nome conhecido na esfera da educação e cuja Ted talk “As escolas matam a criatividade?” constitui a Ted talk mais vista até hoje, afirmou que “os grandes professores do mundo também são ótimos alunos”. Aprender é uma conversa; não é um monólogo. Aprendemos coletivamente.

Reformar o sistema educativo não é tarefa fácil, especialmente tendo em conta que a educação pública é desenhada de forma centralizada. STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), por exemplo, estava na moda há uns anos. No entanto, nem todos os alunos se encaixam neste modelo de ciência, matemática e tecnologia. Um currículo precisa de ser amplo e diversificado, devendo incluir artes, humanidades, línguas e até mesmo educação física. Pessoalmente creio que todos deviam ter uma base de historia e filosofia. Os avanços tecnológicos do futuro acarretam com eles considerações de ética. Não precisaremos apenas de engenheiros informáticos e de programação, mas de peritos em filosofia ética e moral.

A reforma educativa não é uma empreitada simples. Em muitos aspetos, é um dos maiores desafios que enfrentamos hoje. Os Ministérios da Educação há anos que são cativos de interesses instalados – sindicatos, professores, eleitores – esquecendo, por vezes, de que deverão ser os alunos a estar na vanguarda das suas preocupações.

Não tenho duvidas nenhumas que os países determinados e capazes de produzir a força de trabalho futura, com as competências certas, serão os líderes de amanhã. O resto ficará para trás, com empregos mal remunerados e com uma força de trabalho insatisfeita, já sem falar em alunos desmoralizados e stressados, alguns dos quais podendo vir a desenvolver graves problemas de saúde mental. Portugal tem a vantagem acrescida de ver o que funcionou noutros países. Não há necessidade de reinventar a roda. Precisamos apenas de vontade, coragem e resistência para iniciar este caminho.

Observador