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Começou o mais longo período escolar: o que pais e alunos devem fazer para o ultrapassar

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O entusiasmo do regresso aos recreios e às salas de aula anda misturado com a pressão de recuperar o tempo perdido e de evitar a contaminação pelo coronavírus. A segunda fase do plano desconfinamento começou na segunda-feira com o regresso dos alunos até ao 9.º ano à escola e, no período escolar excecionalmente longo que se inicia, o mais importante será conversar sobre as dificuldades, dizem os psicólogos.

Só falta o regresso às aulas presenciais no secundário e nas universidades que está previsto para 19 de abril. Para todos os ciclos paira a sensação de que é urgente recuperar o tempo perdido, sobretudo no que toca às aprendizagens: depois de não haver interrupção letiva no Carnaval e das férias da Páscoa se terem reduzido a uma semana, o terceiro período vai terminar mais tarde. Consoante o ano escolar pode terminar entre o final de junho e o início de julho; para o 9.º ano os exames vão até ao final de julho e para o secundário, a segunda fase de exames só termina em setembro.

“A recuperação tem de ser em quantidade q.b.”, começa por dizer Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos. Alunos e professores vão regressar às escolas num ambiente de particular cansaço, lembra a psicóloga. Os fatores não são estranhos a ninguém: o esforço do ensino à distância, com mais limitações para uns do que para outros; os conflitos familiares que aumentaram e que retiram disponibilidade mental para o trabalho e estudo; todas as condicionantes aos recreios que estão a ser introduzidas (menores tempos de intervalo, mais tempo em sala de aula); o cansaço da pandemia e da falta de interação social que todos experienciamos.”

Por estas razões, “não podemos esticar a corda no tempo que dedicamos à recuperação das aprendizagens”, avisa Sofia Ramalho, notando que tanto os pais como as administrações da escola devem estar atentos ao ritmo de cada criança e jovem.

Ninguém aprende com frustração
Além de não pressionar os filhos, há que compreender que houve outras aprendizagens que foram feitas nos últimos meses e que, provavelmente, só se vão tornar visíveis daqui a algum tempo, como a capacidade do trabalho autónomo e da organização e gestão do tempo, nota a psicóloga.

José Morgado concorda que “a recuperação das aprendizagens” não pode ser forçada a todo o custo. “Se os miúdos são muito confrontados com o falhanço podem desistir. A aprendizagem não pode ser frustrante”, diz este psicólogo educacional. “Os pais podem ter um papel de reparação, de desenvolver a auto-confiança”, afirma, alertando, no entanto, que é preciso aceitar que a capacidade de intervenção dos pais é limitada — e aqui também há muitas diferenças e velocidades, relativas à literacia e ao poder económico das famílias.

“A situação é muito complexa, eles não chegam todos da mesma maneira à escola, os impactos do confinamento e da pandemia são diferentes e por isso não há respostas normalizadas”, avisa, apontando para as crianças que não tiveram acesso à escola digital.

A melhor forma de ultrapassar estas circunstâncias é ter pais e alunos a falarem com diretores de turma e professores titulares sobre as dificuldades que sentem no dia a dia. “Os miúdos gostam de falar das coisas deles, nós é que às vezes não os queremos ouvir”, atira José Morgado. A escola tem de ter conhecimento de como cada aluno passou os últimos meses e, depois, tem de aplicar recursos como apoios tutoriais ou o apoio de psicólogos escolares.

Não podemos esticar a corda no tempo que dedicamos à recuperação das aprendizagens.Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros

Conversar sobre as dificuldades
Sofia Ramalho aconselha os pais a fazerem, neste momento de regresso à escola presencial, um balanço. “Este foi o segundo período de ensino à distância, é normal que haja sinais de desmotivação. O que ficou por cumprir, que dificuldades tiveram? É preciso dar este feedback à escola”, afirma.

Além das circunstâncias diretamente ligadas ao estudo em casa, há outras que interferem na capacidade de concentração e na capacidade de aprender: houve alguma alteração familiar durante este confinamento? Alguém perdeu o emprego? Perdeu-se um familiar próximo? Para a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos é importante que a escola conheça a nova realidade do aluno que vai receber.

Não podemos esquecer que o cyberbullying aumentou com o confinamento. É preciso estar atento a um miúdo que se mantém isolado ou triste, que se recusa falar de como foi o dia na escola.José Morgado, psicologo educacional

As próprias crianças devem ser ensinadas a fazer esse despiste, explica Sofia Ramalho: é importante saberem identificar se estão tristes, o que as desmotiva, e saberem comunicá-lo aos professores. “Tem de haver um ajustamento de ambas as partes”, afirma.

O regresso aos recreios
Com as aulas a voltarem à escola, o tempo em casa tem de voltar a ser gerido para que não se perca parte essencial desse bem-estar psicológico: o tempo de ócio e lazer. É outro conselho aos pais: definir tempos de confraternização familiar, de exercício físico, tempo para os amigos — através dos meios digitais — e até para estar consigo mesmo.

A socialização é parte essencial do regresso ao ensino nas escolas e, se para alguns é fonte de grande entusiasmo, para outros pode ser fonte de uma ansiedade redobrada, depois de um período em que os alunos estiveram protegidos pelo ecrã.

“Não podemos esquecer que o cyberbullying aumentou com o confinamento. É preciso estar atento a um miúdo que se mantém isolado ou triste, que se recusa falar de como foi o dia na escola”, aconselha José Morgado que, neste capítulo, vê um papel fundamental nos auxiliares que estão nos recreios.

Sofia Ramalho concorda e acrescenta, por outro lado, que as novas formas de socialização têm de ser conversadas e explicadas às crianças: há que incentivar a conversa em detrimento da proximidade física e explicar porque é que os intervalos estão mais curtos e se passa tanto tempo dentro da sala de aula.

O que as escolas podem fazer?
O terceiro período não se adivinha fácil. “É muito longo. Temo pela qualidade das aulas, que não se criem condições amigas da aprendizagem”, diz José Morgado, apontando o dedo às fracas condições do parque escolar português. “Emergiram os especialistas que sugeriram aulas no verão. Em Borba ninguém aguenta dentro das salas no verão, não são gabinetes com ar condicionado”, critica.

A solução que indica é simplificar — não tornar mas simples, mas tornar mais ágil. Perceber que matérias devem ser o foco, estar atento aos métodos que dão mais resultado e insistir nesses. “Isto não se faz sem investimento”, diz, lembrando a necessidade de acompanhamento individualizado a cada jovem e criança.

Sofia Ramalho acrescenta que “antes da escola considerar a recuperação das aprendizagens, tem de garantir as condições psicológicas das crianças”. Professores e auxiliares têm de olhar os sinais, ouvir crianças e a famílias e ajudar na procura de soluções, por exemplo, junto do psicólogo da escola. Só com esse bem-estar garantido vão estar disponíveis para aprender.

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