Não haverá consequências para as escolas privadas que mantenham aulas à distância a 30 de novembro e 7 de dezembro, vésperas de feriado, mesmo que contrariando o decreto de renovação do estado de emergência.
A maioria dos colégios acabará mesmo por fazer ponte e, do lado das escolas públicas, os diretores dizem que não teriam condições para avançar para o ensino à distância nestas datas, se o Governo assim o entendesse.
“Dispensamos bem conflitos com o Governo, a única coisa que fazemos é cumprir escrupulosamente a lei”, diz o presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). “São muito poucos os colégios que vão ter aulas à distância, a grande maioria vai fazer ponte”, garante Rodrigo Queiroz e Melo. Quanto às consequências não tem grandes dúvidas: não haverá. O que haverá, insiste, é um pouco de tudo, mesmo que num universo limitado — aulas à distância, síncronas e assíncronas, e sessões para retirar dúvidas dos alunos. As portas das escolas, essas, estarão fechadas.
O Observador questionou o Ministérios da Educação e o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros e ambos remeteram para o que diz a letra da lei. No ponto 4, do artigo 22.º, pode ler-se que ficam “suspensas as atividades letivas e não letivas e formativas em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário de educação pré-escolar, básica, secundária e superior”. Ou seja, a suspensão é para todos, públicos e privados, do pré-escolar às universidades. A medida estende-se também a equipamentos sociais de apoio à primeira infância ou deficiência e centros de formação do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Sobre a possibilidade de virem a sancionar as escolas privadas que desrespeitem o decreto de renovação do estado de emergência, a pergunta enviada aos dois ministérios ficou sem resposta. No entanto, ao que o Observador apurou, não há vontade de “perseguir” os colégios que avancem c0m atividades online. Acima de tudo, segundo fontes do Executivo, a intenção do decreto é evitar a deslocação de pessoas — e as aulas online não violam esse espírito.
Proibir ensino à distância (ou obrigá-lo) “é desproporcional”
“A redação do decreto é infeliz”, considera Queiroz e Melo. No preâmbulo, lê-se que as atividades “com presença de estudantes” em estabelecimentos de ensino estão suspensas, expressão que aparecia no decreto que suspendeu o ensino presencial em todas as escolas do país em março passado. No atual decreto, no artigo 22.º, a referência à presença dos alunos desaparece e é nessa diferença que o Governo se baseia para dizer que todas as atividades estão suspensas, presencialmente ou à distância.
O presidente da AEEP rejeita essa leitura. “As atividades estão suspensas em estabelecimentos de ensino. E o ’em’ é uma preposição, é uma palavrinha que liga o verbo ao substantivo. O verbo é suspender. O substantivo é estabelecimento de ensino. E o ’em’ é uma preposição de lugar”, argumenta, embora frisando que os colégios querem ser “solidários” com o Governo.
“Para nós há outro argumento mais importante — não fazer nada ou alguma coisa nestes dois dias é irrelevante — que é pensar que o Conselho de Ministros nos poderia impedir de trabalhar quando a liberdade de aprender e ensinar está prevista na Constituição. Isto é um não-assunto, não é tema de Conselho de Ministros, é tema da autonomia das escolas”, sublinha Queiroz e Melo. Por isso mesmo, considera que insistir na proibição não faz sentido.
“O Governo anda bem quando diz para ficarmos em casa e quando não se pronuncia sobre o ensino à distância. Proibi-lo é desproporcional, mas obrigá-lo também seria desproporcional. Há escolas públicas que talvez tivessem condições para manter o ensino nestes dias e não deviam ser proibidas. É uma questão de autonomia de cada escola”, defende, mas lembrando que manter ensino não presencial “no meio de uma ponte não é fácil”.
Públicas sem condições para aulas online. Computadores começaram a chegar
Se Queiroz e Melo acredita que algumas escolas públicas poderiam avançar para o ensino online nas próximas duas segundas-feiras, o presidente da associação que representa os diretores de agrupamentos e escolas públicas (ANDAEP) não concorda.
“Acho que ainda não há condições para as escolas poderem dar aulas à distância. Tenho de ser honesto e os privados também deviam sê-lo. Terão todos os alunos dos colégios meios digitais disponíveis para ter aulas online nestes dias? Percebeu-se se há equidade entre os alunos?”, questiona Filinto Lima. Para o também diretor do agrupamento Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, houve um “oportunismo bacoco” da parte dos colégios ao insistirem nas aulas à distância.
“É uma declaração infeliz num momento em que devemos estar todos unidos. Roça um oportunismo bacoco para demonstrar aquilo que já todos sabemos: o grau de autonomia da escola pública é quase nenhum e o do ensino privado é muito grande. Acima de tudo é um desrespeito ao apelo ao primeiro-ministro”, acrescenta o presidente da ANDAEP.
Outro problema que o Governo teria em mãos, caso quisesse que as escolas avançassem para o ensino à distância, era a distinção entre funcionários públicos. Seria difícil justificar o porquê de dar tolerância de ponto a uns e não a outros, como os professores que não constam no grupo dos serviços essenciais.
De resto, Filinto Lima conta que os 100 mil computadores prometidos pelo Governo começaram a chegar às escolas na passada semana, obrigando a uma grande operação administrativa. “Estes primeiros são só para os alunos do ensino secundário que tenham ação social escolar de escalão A. O primeiro-ministro vai cumprir à la longue a sua promessa de dar computadores a todos. Continuamos a ter muitos estudantes sem meios digitais e se avançássemos para o online nestes dias íamos agravar mais a diferenciação entre os alunos”, sublinha. Quando há alunos em quarentena, ou uma turma é enviada para casa, Filinto Lima diz que as escolas conseguem gerir a situação, emprestando alguns computadores. Mas se forem todas as turmas, ao mesmo tempo, ficam de mão atadas.
O kit que está a ser entregue aos alunos, mediante a assinatura de uma declaração de responsabilidade dos pais, fica na sua posse até ao final do ciclo de escolaridade, ou seja, do 10.º ao 12.º ano. No final, é entregue às escolas. Se houver alguma avaria, é o estabelecimento de ensino que entra em ação, daí que Filinto Lima deixe já um pedido no ar: “A próxima personagem que os diretores vão pedir ao Governo são técnicos de informática nas escolas para que este investimento de 400 milhões não seja deitado à rua e, se as máquinas tiverem problemas, não serem encostadas à box.”