Dr.ª Catarina Martins,
Tanto quanto sei, o Bloco de Esquerda, tal como o Partido Comunista, já tomou a decisão de votar contra as propostas do PSD e do CDS, que fazem depender a recuperação total do tempo de serviço congelado das condições económicas do país, ou seja, da sustentabilidade financeira das contas públicas. Por sua vez, estes partidos votarão contra as propostas do Bloco e do PCP, que defendem uma recuperação sem cláusulas de salvaguarda, apenas sujeita a um compreensível e aceitável faseamento. O resultado, obviamente, será a nulidade absoluta.
Na pretérita quinta-feira, dia 2 de maio, pareceu possível um entendimento alargado, coincidente, no essencial, com a posição que Bloco e Partido Comunista defendiam e na qual, agora, se entrincheiram de forma intransigente. Tudo leva a crer que PSD e CDS tenham alterado a sua posição inicial. Todavia, é importante colocar, acima de tudo, não o acessório (os habituais ziguezagues da política e as tricas partidárias), mas o fundamental (o objeto das decisões e aqueles a quem se destina, ou seja, a aprovação, pela AR, do princípio da recuperação total do tempo de serviço congelado aos professores). É isso que os professores querem realmente, e é isso que ainda une todos os partidos que, na semana passada, se entenderam no Parlamento. O essencial ainda permanece incólume, Dr.ª Catarina Martins.
Como é óbvio, mesmo aprovada sem constrangimentos orçamentais, a recuperação do tempo de serviço ― como qualquer outra despesa do Estado ― estará sempre dependente de eventuais fatores conjunturais negativos, de origem exógena ou endógena. Uma crise, semelhante àquela que recentemente vivemos, poria em causa, no todo ou em parte, num período mais curto ou mais alargado, a aplicação da Lei com a redação que o seu partido pretende fazer aprovar. Por isso, em bom rigor, uma adenda de tal natureza ao texto legal, embora pressuponha a abertura de mais um processo negocial (sobre os diferentes modos de recuperação/compensação do tempo que ainda não foi considerado pelo Governo), não impõe limitações definitivas, garantindo, desde já, o mais importante, o grande estandarte da luta dos professores, neste momento. Porém, esse desígnio está seriamente comprometido, não pelo aparente recuo dos ditos partidos situados à direita do PS, mas pelo acantonamento radical dos partidos situados à esquerda do partido que está no Governo.
Dr.ª Catarina Martins, como sabe, muito melhor do que eu, que não passo de um simples professor, a política é a arte do possível, em cada conjuntura, sendo que o possível, quando conquistado, é um passo que nos coloca mais perto do ideal que nos norteia. Negar esse passo ― por ressentimentos, intransigências ou radicalismos negociais ― quando ele está ao nosso alcance, não é fazer política, é birra (ou algo mais). E saber abdicar do acessório para garantir o essencial não é fraqueza, é sabedoria.
Como todo o país, ontem, pôde constatar ― graças aos dados fornecidos pela UTAO, já antes avançados por sindicatos e professores ― o impacto financeiro (real) da recuperação total do tempo de serviço congelado está muito longe dos números impossíveis com que o Governo tentou iludir o Portugal. Isso significa que as cláusulas de salvaguarda que PSD e CDS pretendem adendar à sua proposta de lei não poderão, no futuro, transformar-se no obstáculo intransponível que António Costa e Mário Centeno têm erguido como um Diabo. Esse ressarcimento, ainda que apenas pela via direta da recuperação faseada, é muito mais exequível do que se tem feito crer. Se pensarmos na possibilidade de juntar outros fatores ao processo negocial ― como a antecipação da reforma, por exemplo ― então as perspetivas ganham novos e francos horizontes. Aprovado, agora, o princípio da recuperação integral, o restante é uma mera questão negocial.
Por tudo isto, Dr.ª Catarina Martins, eu não poderei compreender que o Bloco, que tem estado sempre ao lado dos professores, não seja agora capaz de sair do seu castelo de orgulho e intransigência; que, em prol do bem maior, não seja capaz de abdicar de um aspeto parcelar (e não decisivo) da sua concretização. Mais, Dr.ª Catarina Martins: serei forçado a acreditar que o Bloco está a colocar, acima desta questão, as conveniências políticas do partido relativamente a um eventual compromisso pós-eleitoral com o PS. Compreendo, de um ponto de vista estritamente partidário, mas não aceitarei, enquanto professor. Sentir-me-ei enganado, usado e descartado.
Nos últimos atos eleitorais ― desde que os ditos partidos do arco da governação iniciaram esta campanha terrorista contra a classe docente ― votei sempre no Bloco de Esquerda. Por um lado, porque me nego, com todas as minhas células, a eleger quem me maltrata, me explora e me coloca no patíbulo social (apesar de tudo, ainda mantenho a minha dignidade e o meu amor-próprio incólumes); por outro, porque o Bloco tem estado sempre, e de forma coerente, ao lado das causas que também são minhas. Todavia, se contribuir para este imbróglio anulativo que se anuncia, ficarei sem alternativas para votar (porque o PCP também se colocará em igual plano). Serei mais um crónico voto em branco em todos os restantes atos eleitorais. Será assim, porque morrerá, em mim, a já débil crença que tinha reservada para um exíguo número de políticos. Passarei, definitivamente, a acreditar no que dizem do Poder!
Com os meus respeitosos cumprimentos,
Luís Costa
Fonte: https://cronopiocontumaz.blogspot.com