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Bullying – para além do “murro no estômago”

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1. Receio que se confundam, vezes demais, agressividade e violência. Comecemos, então, pela agressividade. Continuo a achar que só os bons irmãos andam à bulha. E que a agressividade, com lealdade e com maneiras (na família ou com os amigos) é um património da Humanidade e faz bem à saúde. É ela que nos permite ir da bulha à agressão para que, depois de lapidada, possamos ter arreganho e ser afoitos. Como é a agressividade que nos ajuda a “metabolizar” a dor, a ambicionar, a competir, a rivalizar e, até, a proteger. A agressividade será sempre boa se vier “equipada” com culpabilidade e com trabalho de reparação. Isto é, “a medida” que introduz humanidade na agressividade é a dor que trazemos às pessoas que agredimos (num arrufo, num impulso ou numa ira que, grande parte das vezes, serve para limparmos “raivas de estimação” que acumulámos ao longo de um dia). Serão elas que com as suas reacções à dor dos nossos actos melhor os lapidam. Já para não falar que sempre que ficam mais tristes nos amam menos e pior. O que, tudo junto, nos ajuda a perceber que a bondade não é só uma escolha; é, sobretudo, um acto de inteligência. Quando a agressividade não vem “equipada” com a culpabilidade de quem agride transforma-se em violência. A agressividade é um factor de crescimento; a violência é sempre um maltrato. A violência é, assim, a promoção repetida de sofrimento, sem culpabilidade nem reparação! Seja ela física ou psicológica, claro.

2. Será a escola, desde sempre, um lugar onde se experimenta a agressividade e onde se chega, de experiência em experiência, à distinção entre agressividade e bullying? Sem dúvida. Não perdendo nunca de vista que bullying não é agressividade; é violência. Por mais que a escola pareça ser, vezes demais, quem pior distingue agressividade de violência. Aliás, quanto mais ela interdita a “ortopedia da agressividade” (no jogo, na actividade desportiva ou na relação casual), quanto mais desvaloriza a actividade física, quanto menos premeia a palavra, e quanto mais censura as parábolas através das quais o mal se transforma em bem, mais contribui para que tudo se confunda.

Por outro lado, não entendo a proliferação de aulas sobre bullying. Seminários sobre bullying. Observatórios sobre bullying. Acções de formação sobre bullying. E iniciativas de prevenção do bullying. Porque quanto mais a escola se burocratiza acerca do bullying menos atenta e menos escola se torna. Aliás, é até curioso observar como, com tantas e tão cerradas discussões em torno do bullying, a escola pareça ser, tantas vezes, tão “distraída” a sinalizar as acções de bullying que ocorrem em contexto escolar. E escandalosa é a forma como sempre que há actos inequívocos de bullying, parece adiar intervenções, protelar inquéritos, almofadar sanções e evitar medidas disciplinares. E – pior, ainda – é estranho que eleja o verdadeiro bullying como uma realidade a banir da vida escolar quando, ao mesmo tempo, condescende com actos de má educação, de absoluta ausência de regras e de indisciplina com que os alunos convivem, todos os dias – entre si e para com os professores (!) – e que são “o degrau” imediatamente anterior ao bullying. Para além disso, não repreende os professores “bullies”; que também existem. E cria, nalgumas circunstâncias, enredos corporativos que protegem a escola de pais que, fundamentadamente, denunciam episódios de bullying e solicitam medidas de proteção para os seus filhos. Se os alunos e os seus pais não merecem uma escola assim, os professores seguramente também não!

3. Temos, portanto, uma realidade onde o alarme sobre o bullying é geral. E a distracção, diante dele, quase infinita. E, ao mesmo tempo, uma atmosfera duma hipocrisia imensa que, todos os dias, repete e repete que “as crianças são muito cruéis umas para as outras”. Que, qual slogan, faz dos adultos as pessoas mais leais do Universo.

Mais do que reagir perante exemplos chocantes que, ciclicamente, vêm a público, devemos – sim (!) – agir. Não só nas escolas e nos recreios, mas em casa e nas ruas. Todos por todos. Abraçando a consciência de que isto não é um problema “dos outros”. Compreendendo que condescender com uma situação, pode significar perpetuá-la. Atentos às vítimas. Alertas aos sinais e pedidos de ajuda de quem violenta. Exigentes nas regras e firmes nas consequências. Mas humildes para percebermos que este não é um fenómeno “só” da escola. Que, sem querermos, muitas vezes, somos também nós que – nem que seja por nos calarmos perante situações que exigiriam que “falássemos bem alto” – que acabamos por condescender com “pequenas” violências. Esquecendo que violência é violência! Por mais “pequena” o impacto é sempre brutal.

EDUARDOSA