Todos os dias procuro em mim o professor que não morreu. É um esforço diário e permanente este, o de manter-me viva num sistema que me maltrata a cada dia que passa. Mas mantenho-me à tona, consciente de que o caminho por trilhar é longo e cada vez mais difícil. Ontem mesmo, provei a mim própria que ainda não morri.
Quando saí da sala de aula e entrei na nossa sala de professores – era o intervalo grande da manhã – contei por alto trinta professoras e um professor apenas, da meia dúzia de docentes do sexo masculino que por ali paira de vez em quando, de passagem. Eu vinha irritada pois passara parte da minha aula de agora cinquenta minutos a tentar encontrar uma colega com uma turma mais pequena do que a minha e que pudesse trocar de sala comigo. Eu queria apenas conseguir sentar todos os meus alunos de uma turma do 12º ano. Havia alunos a mais e cadeiras/carteiras a menos. Detalhes insignificantes pois o que verdadeiramente interessa a esta crónica vem já a seguir.
Entrei assim na sala de professores, como vos estava a contar, e entre a azáfama do primeiro intervalo da manhã e muitos cafés de máquina, avisto uma colega cuja cara não sendo familiar não me era totalmente estranha. Observei-a um pouco melhor enquanto ela afixava algo no placard sindical. Fez-me luz e logo percebi quem era. Vendo-a percorrer a sala com o olhar, numa tentativa de que alguém lhe prestasse alguma atenção (o que não estava de todo a acontecer), atirei-lhe de longe com isto:
– Então, colega, quando é que paramos as escolas públicas deste país?
Estava dado o mote. A colega veio de imediato ter comigo (eu encontrava-me na outra ponta da sala), qual âncora milagrosa num espaço repleto de docentes supostamente indiferentes à sua luta. O que se segue foi o diálogo possível, ocorrido entre muitas vozes, conversas paralelas, marcação de almoços, agendamento de reuniões, histórias de indisciplina, etc. e tal.
– Colega, isto já não vai lá com greves – afirmei.
– Mas então por que diz isso? – respondeu a delegada sindical desconsolada.
– Eu pelo menos não faço mais greves nestes moldes. Não servem para rigorosamente nada… Precisamos de outras formas de revolta, colega.
– Mas olhe que mais de 50% dos professores concordaram com esta forma de luta no início do ano.
– Início do ano? O ano letivo começou há duas semanas, colega. Agora já está tudo organizado e a greve não terá impacto absolutamente nenhum.
– Mas então o que é que a colega propõe? – perguntou-me.
– Olhe, proponho que fiquemos todos à porta da escola com faixas pretas e apelemos aos colegas que queiram aqui entrar para que se juntem a nós… Penso que teria mais impacto do que uma greve dividida por quatro dias…
– Colega, mas isso é uma forma de greve…
– Sim, talvez seja… mas certamente com um impacto diferente pois viríamos para a escola e passaríamos o dia aqui… seria até uma forma de mobilizar os pais para a nossa luta. Muita gente que faz greve não põe os pés na escola nesse dia, como sabemos. Eu, por exemplo, quando faço greve, sei que perco o dinheiro desse dia e a maior parte das vezes fico em casa.
– Pois, compreendo… mas tudo isso já foi feito no passado… os professores até se vestiram de negro, acamparam…
– Ah, não sabia… mas insisto, colega. Uma mera greve, nos moldes em que tem sido feita, já não tem impacto. Esta é a minha humilde opinião. A greve foi banalizada e muitos professores há muito que não aderem a esta forma de reivindicar os seus direitos…
– Ah, mas os quatro dias de greve vão culminar numa manifestação no dia 5 de outubro, Dia do Professor… E essa manifestação pode e deve ter um grande impacto.
– Olhe, colega, já não sei… Talvez tenha mas pelo que vou observando, pelo menos nesta escola, contam-se pelos dedos os professores que irão aderir à greve… e quanto à manifestação, nem eu sei já se me apetece ir…. Estou farta e cansada deste autismo governamental!
– Oh, colega, não diga isso! A greve tem sido uma importante forma de lutarmos pelos nossos direitos…
– Claro que sim, claro que sim. Mas precisamos de medidas mais fortes e eficazes, medidas criativas. Medidas que não nos atinjam apenas a nós mas que causem algum impacto na sociedade… Que impacto tem o facto de alguns alunos não terem algumas aulas porque alguns professores faltam num dia de greve? Já pensou nisso? Os sindicatos ainda não perceberam que isso é nada?
– Não concordo consigo, colega…
– Pois eu penso assim e estou convencida de que urge fazer algo que tenha impacto a sério como foi a tentativa de boicotar as reuniões de avaliação no final do 3º período, infelizmente sem resultados à vista… Mas pelo menos a sociedade civil percebeu que talvez tenhamos algum poder… E que afinal não somos essa classe de gente mimada, com excelentes condições de trabalhão, férias a perder de vista e ordenados chorudos por que nos querem fazer passar.
– Olhe, então proponha novas formas de luta.
– Mas eu já não sou sindicalizada, colega…
Pois é. Já não sou sindicalizada. Fui durante muitos anos mas quando percebi que eram tantos os sindicatos e as associações de professores, nem sempre a puxarem a corda da escola pública para o mesmo lado, desisti. Mas ontem saí da escola a pensar. Vim para casa a pensar. Deitei-me a pensar. Acordei de mal dormir a pensar. E hoje, antes mesmo de ir para a escola onde começarei a dar aulas pontualmente às oito horas e quinze minutos, aqui estou eu sentada sobre esta crónica, como diz um conhecido escritor da nossa praça. Eis a minha lista de nove medidas de luta, uma por cada ano que nos pretendem apagar.
Pela dignidade da profissão docente
Pela redução real do número de alunos por turma
Pelos professores de casa às costas
Pela reforma pré-alzheimer
Pelos 9 anos 4 meses e 2 dias que nos querem apagar
Medida Nº1 – Envio ao Ministério da Educação de todos os testes feitos mas não corrigidos por nós neste primeiro período em todas as escolas do país.
Medida Nº2 – Flexibilização das avaliações do 1º período, deixando as nossas notas na direção das escolas em envelope fechado e contribuindo previa e financeiramente para que os diretores de turma possam faltar às muitas reuniões para que serão convocados (partindo do princípio de que o conselho de turma como até aqui o conhecíamos deixou de existir).
Medida Nº3 – Greve de zelo na primeira semana do 2º período (estamos nas escolas, vamos às salas, estamos com os alunos mas não damos matéria).
Medida Nº4 – Reunião com outras classes profissionais (enfermeiros e médicos, por exemplo) para que seja possível, em uníssono, encontrar formas de luta e dignificar duas áreas essenciais ao desenvolvimento do país: Educação e Saúde.
Medida Nº 5 – Avaliar no 2º período deste ano letivo todos os alunos do ensino básico com classificação de nível 4 e do ensino secundário com 11 valores (9 + 2).
Medida Nº 6 – Fazer greve à correção de todos os exames nacionais.
Medida Nº 7 – Uniformizar todos os enunciados de todos o testes de todas as disciplinas do currículo com um texto informativo sobre a corrupção, o endividamento da banca e o compadrio entre esta e a política / os políticos.
Medida Nº 8 – Unir esforços concretos para a criação urgente de uma Ordem dos Professores (constituída apenas por membros politicamente independentes) que defenda os nossos direitos e fiscalize os nossos deveres com isenção e rigor.
Medida Nº 9 – Parar as atividades letivas nas escolas todos os dias 2, 4 e 9 de cada mês deste ano letivo 2018/2019 e substitui-las por outras que incluam tudo o que a nossa imaginação conseguir criar, exceto AULAS, REUNIÕES, EXAMES E CORREÇÕES.
Porque o problema, colegas, não está apenas nas politicas e nos políticos!
O problema, colegas, está na desunião de uma classe fragmentada!
O problema está na ausência de criatividade que deveria ser a bússola da nossa profissão!
O problema, colegas, é ainda não termos percebido que os políticos precisam muito mais de nós do que nós precisamos deles!
É assim mesmo, colega! A sociedade conta connosco : excluídos, maltratados, perseguidos, humilhados, mas com a certeza absoluta que é do nosso esforço que nascerá "o mundo novo".
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