Lendo o Ministro, dir-se-ia que, a haver manifestações de professores, deveriam ser para agradecer ao governo a excelência da sua ação. E no entanto, não é isso que vemos. Pelo contrário, há uma nova vaga de protesto que é também uma reação a uma dupla desvalorização sentida nas escolas. A luta em curso é uma lição para quem estiver disponível para aprender
Em artigo recente, o Ministro da Educação, João Costa, retorquiu a um texto de António Nóvoa, ex-candidato presidencial apoiado pelo PS, a propósito dos professores. Nóvoa fez, no Público, um balanço ferozmente crítico da política do Governo no campo educativo nos últimos sete anos e da indiferença quanto aos professores. Sete “nadas” caracterizariam a política do PS: ausência de respostas capazes de atrair jovens para a profissão, de avançar na formação de professores, de melhorar formas recrutamento, de criar processos de indução profissional, de promover o bem-estar, de desburocratizar o quotidiano, de valorizar as carreiras, de incentivar projetos de inovação. O ministro respondeu-lhe, no mesmo jornal, com uma lista de medidas.
A primeira dimensão da desvalorização tem a ver com as carreiras e com a degradação das condições económicas e profissionais dos professores. Num relatório do Conselho Nacional da Educação, publicado em dezembro de 2021, regista-se que os docentes do 1º escalão tinham em média 15,7 anos de serviço e 45,4 anos de idade. A base da profissão é assim constituída por pessoas com mais de 45 anos, a auferir pouco mais de 1100 euros líquidos, a trabalhar precariamente em média 15 anos e a vincular entre os 40 e os 50 anos de idade. Milhares de professores têm hoje um salário real inferior ao de 2010. Muitos estão bloqueados à espera de subir ao 5º e 7º escalões, o que configura uma forma de congelamento salarial, que aliás se soma à não recuperação de todo o tempo de serviço, reivindicação antiga que nunca ficou resolvida. Para o empobrecimento contribuem também os custos de deslocação para fora da área de residência e a ausência de apoios perante as rendas impossíveis para quem tem de se instalar no local da colocação.
À desvalorização da carreira por opções económicas – e também agravado por ela – soma-se o desalento pela sobrecarga alienante das exigências burocráticas que consomem o tempo e pela ausência de profissionais em número suficiente para as necessidades. E acrescem ainda as injustiças e arbitrariedades de um modelo de gestão que introduziu a concorrência entre colegas e atribuiu aos diretores um poder excessivo, na linha do pensamento gerencialista tão avesso à democracia. A explosão da indignação aconteceu quando, utilizando a iminência da falta de professores como pretexto, o governo abriu a porta a mais uma machadada no concurso nacional. A possibilidade de eliminar o princípio geral da lista nacional de graduação, permitindo na prática a atribuição de vagas por “perfil”, a ultrapassagem de colegas por colegas, a prevalência da gestão unipessoal (isto é, dos diretores), agravada pela proximidade entre diretores e autarquias, foi lenha suficiente para reacender a fogueira de uma indignação latente.
Essa indignação tem razões fundas, ancoradas no dia-a-dia de quem está nas escolas. Há muitas formas de lidar com elas. Uma é tratá-las como sintoma de ignorância e ingratidão: os professores seriam uns mentecaptos manipulados por dirigentes mentirosos. Outra é opor a mudança escolar aos direitos profissionais: os professores e os sindicatos seriam um obstáculo e a transformação da escola far-se-ia apesar deles e contra eles. Uma terceira, mais auspiciosa, é perceber que não há transformação da escola sem o reconhecimento material e simbólico dos seus profissionais. Este reconhecimento é uma reforma estrutural essencial para que haja um projeto de futuro, motivação e um campo de experimentação e de liberdade criativa nas escolas. Por isso, as manifestações que têm existido merecem a nossa solidariedade. A luta em curso é uma lição para quem estiver disponível para aprender.