Início Educação As nações das turmas numerosas promovem a exclusão – Paulo Prudêncio

As nações das turmas numerosas promovem a exclusão – Paulo Prudêncio

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Como ponto prévio, sublinhe-se que as escolas voltarão a incumprir nos critérios de distanciamento físico, espaços lotados e fechados e aglomeração de pessoas. As nações das turmas numerosas falham neste domínio. Estaremos na condição que antecedeu os confinamentos, mas desta vez com as vacinas a abrirem uma janela da esperança.

E vem isto a propósito da segunda reprovação em menos de um ano (Junho de 2020 e Março de 2021), na Assembleia da República (AP), de qualquer redução de alunos nas turmas numerosas. Desta vez, os projectos de lei do PEV, PCP e BE, votados em 31 de Março de 2021, foram rejeitados pelo PS, PSD, CDS-PP, IL e Chega.

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Os projectos de lei preocupavam-se com a incerteza temporal da pandemia, mas associavam uma relevante inscrição estruturante. Se os fundamentos pedagógicos são há muito conhecidos, discuta-se a argumentação imposta por toda a direita partidária e pelo PS. Aliás, antes de mais e pensando na pandemia, recorde-se as palavras do Presidente da República (PR) que parecem contrariar uma visão positivista do primado absoluto da lei. Concorde-se ou não, o PR parece integrar uma concepção mais recente, que se pode designar por um “ir e vir constante entre a norma e o caso”, principalmente quando se legisla na margem da relação entre o direito e a política: “É o direito que serve a política e não a política que serve o direito.” Como vivemos em sucessivos estados de emergência, todas as respostas cruciais devem ser consideradas e a redução de alunos por turma integra esse quadro.

Por outro lado, a posição vencedora remete para a ausência de estudos concludentes sobre as vantagens das turmas pequenas. Como se sabe, os estudos empíricos em educação são muito difíceis. Não há estudos sustentáveis de variáveis, dependentes e independentes, em regressões lineares múltiplas para turmas pequenas nem para numerosas (já agora). O que há, é a história da política económica: sociedades inclusivas com mais ambição escolar, e com meios económicos que a suportem, atingem níveis mais elevados de sucesso escolar. Podemos atribuir a essa condição uma percentagem próxima dos 90% na responsabilidade pela escolaridade das nações. Os resultados seriam elucidativos se sujeitássemos cem crianças a uma escolaridade em duas sociedades de sinal contrário, mas é uma asserção impossível o que também explica a dificuldade destes estudos.

Dito isto, e para que o progresso e a inclusão reduzam as desigualdades, o número de alunos por turma é diferenciador. Deve integrar acordos de regime que incluam alunos por escola, rede escolar inclusiva, autonomia pedagógica, clima escolar, carreira dos professores, currículo completo, meios de ensino e tempo que as crianças e jovens passam com a família. E se não há estudos quantitativos conclusivos, existe a possibilidade de investigações qualitativas com análises de conteúdo a entrevistas. Peguemos em dois exemplos: Nuno Crato, que ao que saiba nunca leccionou no não superior e foi um legislador de turmas numerosas, disse à SIC, em 15 de Junho de 2013, que “uma turma com 30 alunos pode trabalhar melhor do que uma com 15: depende do professor e da sua qualidade”; William Golding, Nobel da Literatura e professor no 1.º ciclo durante três décadas, disse à RTP2, em 1983, que “com 30 alunos não há método de ensino que resulte, mas com dez alunos todos os métodos podem ser eficazes”.

E depois, temos a remissão para a irresponsabilidade financeira dos partidos favoráveis à redução. Pois bem: a governação da recente geringonça provou que já não é assim. Até na China se substituiu Mao Tsé-Tung pelo filósofo Confúcio. O filósofo, e ao ser questionado, pelo discípulo Zi-gong, se era um homem instruído, respondeu: “Simplesmente descubro o fio da meada.” E é exactamente o que falta fazer nas nações das turmas numerosas. No nosso caso, a rede escolar extractiva e não democrática, a gestão do tempo dos alunos, a carreira dos professores e a burocracia complementam as palavras-chave. E para além de tudo o que se evidencia, a redução financeira na educação desde o início do milénio tem números taxativos: eliminação de cerca de 9000 escolas (o “dobro” das cerca de 5000 que existem) e de cerca de 30% dos professores.

Por isso, o crescimento económico nas nações das turmas numerosas dificilmente será a “maré enchente que subirá todos os barcos”. A riqueza não será redistribuída e acentuará as desigualdades. Sublinhe-se que a história da distribuição da riqueza é política. Não se circunscreve a procedimentos puramente contabilísticas. Lê-se em três clássicos normalmente citados pelo espectro partidário: A Riqueza das Nações, de Adam Smith, O capital no século XXI, de Thomas Piketti; e Porque falham as Nações, de Daron Acemoglu e James A. Robinson.

Ainda do debate partidário, percebe-se que o PS não considera a questão encerrada. Fala em “gradualismo”. Mas considerando os 30 alunos de Nuno Crato, e com a redução de dois alunos por turma em cada década, em 2060 chegaremos a um número civilizado. Obviamente que o gradualismo é incontornável e fundamental depois de tanto erro de planeamento estratégico no que levamos de milénio. Contudo, é mais inclusiva uma lei referencial de 20 alunos por turma com excepções do que uma de 30 com excepções. Já os partidos da direita refugiam-se em variáveis que não quantificam: custos, salas de aula e escolas. E invocam a autonomia das escolas para contestar a necessidade de uma lei do poder central. É lamentável que não se tenham lembrado destas variáveis quando aprovaram 30 alunos por turma.

E para finalizar, concorda-se com quem se indigna com a gestão dos orçamentos da Educação nos governos que se vão sucedendo. É um assunto vasto e conhecido, onde a prioridade para um extenso elenco de projectos especiais é, inequivocamente, menos estruturante e inclusiva do que a redução de alunos por turma. Infelizmente, as nações das turmas numerosas promovem repetidamente as políticas extractivas e a exclusão.