De entre muitos outros aspetos, o surto epidémico que atravessamos tornou mais evidente as desigualdades existentes entre estudantes.
Já sabíamos que os estudantes oriundos de famílias com mais meios económicos tinham mais condições e mais facilmente conseguiam ter sucesso escolar e chegar aos mais elevados níveis de ensino, enquanto que os estudantes de famílias com menos recursos têm muito menos condições e mais dificuldades.
O princípio constitucional da igualdade no acesso e sucesso escolar está longe de ser uma realidade e do caminho que ainda temos de percorrer para que o direito à educação, gratuito, em condições de igualdade seja de facto para todos.
Muitas crianças e jovens estão a sentir a discriminação por não terem um computador ou um outro equipamento informático e não puderem acompanhar o ensino à distância, ou têm de partilhar o único equipamento informático com os irmãos ou os pais. Muitos não têm acesso à internet ou têm, mas sem qualidade da ligação. Para muitos o contacto com a escola, dada a impossibilidade do contacto por meios digitais, é através das fichas de trabalho que, por exemplo as juntas de freguesia ou a GNR levam às suas casas. Por vezes nem as dúvidas que têm conseguem tirar com os professores.
Infelizmente esta é uma realidade bem mais abrangente do que se poderia imaginar em pleno século XXI e que o atual momento veio deixar mais visível aos olhos de todos. Tudo isto irá ter consequências e impactos futuros e as desigualdades serão mais acentuadas nas aprendizagens.
Quando se avançou para o ensino à distância o Governo deveria ter assegurado condições de igualdade, através da garantia de equipamentos e do acesso à internet a todos os estudantes que precisam.
Os tempos que vivemos demonstram que a sala de aula, onde estudantes e professor estão presencialmente, é o espaço mais democrático e onde as desigualdades, ainda assim, estão mais esbatidas. Revela a importância do trabalho presencial dos professores com os alunos, no seu acompanhamento, tendo em conta as especificidades de cada criança e de cada jovem. Revela também que o ensino à distância, adotado excecionalmente neste período, não deve ser tornado como regra no processo ensino-aprendizagem.
A Constituição da República Portuguesa determina que “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.” Devido às opções políticas de direita de sucessivos governos e de desinvestimento, constatámos que a escola não constitui o elemento de superação social e de emancipação individual e coletiva, limitando-se a reproduzir as relações de classe.
O direito à educação é um pilar do regime democrático, o que exige o investimento na Escola Pública para assegurar a gratuitidade, a igualdade e a qualidade do ensino para todos, para que garanta a formação integral do indivíduo e para que seja um elemento de elevação do nível cultural e de conhecimento da população.
Termino, deixando uma palavra de apreço pelo enorme esforço que estudantes, pais e professores estão a fazer neste momento. É de valorizar a dedicação dos professores que preparam as aulas na telescola, dos professores que procuram acompanhar os estudantes à distância, com todas as dificuldades que isso coloca e que procuram manter a ligação dos estudantes à escola.
Fonte: Expresso