“Uma professora foi recentemente agredida a socos e pontapés por quatro familiares de um aluno. Só em Lisboa, a violência contra docentes levou a abrir 87 inquéritos no ano passado
“Em tom impróprio, aquele pai entrou na escola, com o dedo apontado a mim, a insistir que eu tinha batido no filho”. M., professor de primeiro ciclo, de 61 anos, era coordenador da escola onde foi agredido por um encarregado de educação, em abril de 2016. “Chamámos a criança para esclarecer o mal entendido. Dirigi-me ao menino como “filho” – uma expressão que uso frequentemente com os alunos – e, do nada, o pai deu-me uma cabeçada na face, eu caí de costas e fiquei a sangrar do nariz. Foi uma situação muito complicada”, recorda.
M. foi um dos 23 docentes que em 2015/16 pediram apoio psicológico/jurídico à Associação Nacional de Professores (ANP). Um caso que seguiu para o Ministério Público, tendo terminado com a condenação do agressor a pena suspensa e multa. Mas nem sempre este tipo de casos seguem para tribunal. “Os casos que nos são reportados passam a ser acompanhados pelo Gabinete de Defesa do Professor, mas muitos não chegam ao tribunal. Os professores desistem de avançar com o processo com medo de intimidações e também devido à morosidade dos mesmos”, adiantou ao DN Manuel Oliveira, vice-presidente da ANP.
No ano letivo passado, a associação registou 22 casos de agressões físicas ou psicológicas a professores por parte de alunos, encarregados de educação e pais. Já este ano, registou 17, mas o dirigente acredita que muitas situações ficam por reportar. “Os números de agressões conhecidos serão inferiores ao real. Há casos de professores que não comunicam nem pedem ajuda. Sofrem em silêncio. E sofrem muito”, lamenta.
Só no Ministério Público de Lisboa, a violência contra professores motivou a abertura de 87 inquéritos em 2017. Na passada terça-feira, o tema voltou à discussão com o caso de uma professora de Educação Física na Escola Primária do Lagarteiro, no Porto, que foi agredida a socos e pontapés por quatro familiares de um aluno de oito anos, após o repreender durante uma aula.
Para Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), “é muito preocupante a forma como os agressores conseguem entrar facilmente numa escola e agredir um professor em funções profissionais”. Reconhece que é algo comum a outras áreas, como a medicina, mas reforça que “na educação, é horrível, porque é deseducar”. Situações, prossegue, que ofendem uma classe inteira.
Segundo Manuel Oliveira, os docentes são vítimas “de agressões físicas e psicológicas, de chantagem por parte dos alunos e dos familiares”. Atos de violência com um enorme impacto na vida dos docentes: “Sofrem um grande desgaste emocional. Os professores ficam arrasados, deprimidos, doentes. Por vezes, não têm capacidades para dar continuidade à profissão”.
Mais intervenção nas escolas
Como tinha “uma boa relação com a comunidade escolar”, M. manteve-se a lecionar na mesma escola após ser agredido pelo pai de um aluno. “Psicologicamente, não fiquei muito afetado, porque existia essa boa relação. Mas fiquei muito preocupado porque, do nada, entra-se numa escola e agride-se uma pessoa, porque o filho disse alguma coisa”, afirma.
As agressões aos docentes afetam, segundo o vice-presidente da ANP, “a autoestima, a imagem do professor”. Não são raros os casos de “depressões graves, de profissionais que não conseguem voltar a trabalhar”.
Destacando “as repercussões psicológicas difíceis de ultrapassar”, Filinto Lima, representante dos diretores, considera que “há formas de tentar diminuir a possibilidade de ocorrerem agressões nas escolas”. “Se tivéssemos mais mediadores de conflitos, psicólogos e assistentes sociais, estas situações podiam ser prevenidas”. E apela, ainda, ao apoio jurídico e psicológico às vitimas.” Texto de Joana Capucho
Fonte:DN.PT