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Ano letivo arranca ensombrado

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Cerca de 1.300.000 começam esta terça-feira a regressar às aulas. Professores, pais e sindicatos garantem que há muitos alunos como a Iris, que ainda não foram colocados, e escolas que iniciam aulas sem professores suficientes

Iris tem 12 anos e devia estar, como os restantes cerca de 1.300.000 alunos, de mochila às costas, a viver a excitação e as angústias do primeiro dia de aulas numa escola nova. Mas a Iris, aluna com notas dignas de quadro de mérito, hoje vai ficar em casa, porque, no dia marcado para dar arranque ao ano letivo, ainda não sabe que escola vai frequentar. No portal das matrículas, por mais refresh que o pai Pedro faça à página, a mensagem ainda é: “A Aguardar Colocação”. Está assim desde que foram divulgados os resultados das colocações dos alunos do início de agosto.

Podia ser daquelas pessoas que deixa tudo para a última da hora e estar agora a culpar-me. Mas não sou. Fiz a matrícula da Iris em cinco escolas, como indicado, logo no início do prazo”, conta Pedro Lopes.

A família de Corroios, concelho do Seixal, viveu um período de férias inquieto, a gerir as emoções de Iris, angustiada, não por ir para uma escola nova, fazer amigos novos, mas por não saber sequer para que escola vai. “Não sabemos que livros comprar, que material adquirir. Não sabemos que horários vamos ter de gerir em família, que distâncias vamos ter de percorrer. A Iris anda ansiosa. Temos tentado minorar, mas é claro que ela anda ansiosa”, lamenta o pai, numa conversa telefónica com a CNN Portugal ao fim do dia de sexta-feira, a 24 horas úteis do arranque do ano letivo.

Na segunda-feira, o pai voltou à carga e ligou para as escolas que assinalou no ato da matrícula. Nenhuma tem indicação de vaga para a Iris. Pedro Lopes diz que tem esbarrado com a indiferença das várias instâncias que tem contactado no último mês: nem Ministério da Educação, nem DGEstE… de nenhum recebeu resposta, “nem aqueles emails automáticos a dizer que o assunto vai ser analisado”.

A CNN Portugal pediu ao Ministério da Educação a informação de quantos alunos estão na mesma situação da jovem de Corroios, mas, volvida uma semana, não obteve resposta. Contudo, sindicatos da Educação e professores, asseguram que o caso de Iris não é único. “Há alunos que continuam sem escola. Ainda hoje recebi uma mensagem de uma amiga a perguntar o que fazia porque a filha ainda não tinha escola atribuída”, revela Alberto Veronesi, professor do Ensino Básico.

Alunos sem escola e escolas sem professores

E se há alunos sem escola, há escolas que se debatem com a falta de professores. A quatro dias do arranque do ano letivo, as contas eram elucidativas: Cerca de 100 mil alunos não têm professor a pelo menos uma disciplina. Lisboa e Algarve são as regiões mais problemáticas.

Paulo Guinote é licenciado em História, mestre em História Contemporânea e doutor em História da Educação. Autor do blogue A Educação do Meu Umbigo, Paulo Guinote é acima de tudo professor e conhece a realidade como ninguém. Não tem dúvidas em afirmar que o ministro da Educação falta à verdade quando diz que não vai haver problemas de falta de professores, porque 95% dos horários estão preenchidos.

“Há muitas escolas com 10, 15, 20 horários ainda por preencher. O ministro já no ano passado tinha falado em 97,7% de horários preenchidos no início do ano letivo e foi o que se viu. O problema é que esses números não correspondem à realidade. Há muitas colocações fictícias. Por exemplo, professores de baixa médica, que têm de ir a juntas médicas. Os seus horários não vão a concurso e, a 1 de setembro, essas pessoas têm de se ir apresentar nas escolas. Mas depois vão a juntas médicas que lhes confirmam a baixa médica. Já se sabe, antes das aulas arrancarem que essas pessoas não vão poder assumir as turmas, porque têm doenças incapacitantes que não lhes permitem dar aulas. Mas os seus horários são dados como preenchidos. E depois há a questão da redução da componente letiva, num corpo docente muito envelhecido. Na minha escola, por exemplo, há muita gente com mais de 60 anos, a ter quatro horas de redução de horário”, explica.

Estamos a preparar o ano letivo, com quatro, cinco e seis professores em falta numa única turma”, acrescenta Paulo Guinote.

A denúncia de Paulo Guinote é corroborada por Cristina Mota, professora de Matemática e porta-voz do movimento Missão Escola Pública: “Ao contrário do que o senhor ministro anunciou, não vamos ter um ano letivo tranquilo. Temos um início de ano letivo com um número muito significativo de professores por colocar. Nomeadamente na mobilidade interna, que não costumava ter tantos horários por preencher. Cinco por cento dos horários que foram pedidos pelas escolas não foram preenchidos”, contabiliza Cristina Mota.

“Havia 2200 horários por preencher no início de setembro. São horários completos e anuais. Ainda não estamos a falar de horários de substituição. Ou seja, não temos neste momento professores para preencherem as necessidades permanentes, mas o problema ainda vai ser agravado com as necessidades temporárias. Acreditamos que este ano muitos alunos vão terminar o ano letivo sem avaliação a pelo menos uma disciplina do currículo”, teme a professora.

Professores “de mochila às costas”

Grande parte da “culpa” de não haver professores suficientes está, dizem os docentes, na falta de investimento nos incentivos à profissão. Os sindicatos temem, por isso, que a falta de professores seja um problema identificado a cada início de ano letivo.

“Adivinho que no próximo ano haja ainda um número superior de professores em falta do que este ano. Vivemos num período dramático! Quando o Ministério da Educação se vem mostrar feliz por haver um aumento do número de alunos inscritos nos cursos de ensino, tenho vontade de rir. Vão para aposentação 4.000 professores e entram nos cursos de ensino 1500. Não satisfaz necessidades nem em metade. Além disso, é importante perceber onde é que fazem falta, em que regiões do país e em que grupos disciplinares fazem falta. Em 2030, vai haver falta de professores no Norte, como acontece agora na Grande Lisboa, no Alentejo e no Algarve. É preciso começar a trabalhar desde já para evitar que daqui a sete anos se viva no Norte aquilo que se vive agora nestas regiões”, alerta Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE).

Pedro Barreiros diz mesmo que o cenário traçado pelo Governo de fim dos professores com a casa às costas se alterou para pior: “Deixou de se falar nos professores com a casa às costas, para ter os professores com as mochilas às costas”. “Há ainda muitos professores que, hoje, não sabem onde vão matricular os seus filhos para este ano letivo”, remata.

O problema que não é novo, agrava-se a cada ano, à velocidade que os preços das rendas crescem nos portais imobiliários e o preço de um quarto se aproxima da metade de um salário de um professor contratado. “Não há incentivos à fixação de professores. Devia haver, por exemplo, uma compensação para quem se fixasse a mais de 100 quilómetros de casa”, sugere Paulo Guinote.

“Temos falta de professores em Lisboa e no Algarve, mas o ministro coloca à disposição 29 casas entre Lisboa e Portimão. É legítimo que um professor pergunte o que é que está aqui a fazer. Temos muitos colegas que estão a abandonar a profissão. A meter licenças sem vencimento e a procurar outros caminhos para a estabilidade económica, mas também física e mental”, acrescenta Carla Piedade, dirigente do S.TO.P! (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação).

A narrativa que aparece na comunicação social é radicalmente diferente do que acontece nas escolas. Há o reino do Pineal e há o reino do Costa. Quem o ouve falar, ninguém o leva preso”, acusa Alberto Veronesi.

A somar à falta de incentivos à profissão docente, há ainda as desigualdades dentro do mesmo país. Carla Piedade sublinha que os professores das ilhas e do continente continuam a não ter as mesmas condições de acesso e progressão na carreira: “Parece uma anedota, mas é a realidade. Uma professora do continente, outra da madeira e outra dos açores entram num bar. Uma pede entrada, prato, principal, bebida, sobremesa e café, a outra pede o prato principal e a sobremesa e eu se calhar só peço a meia dose e a sobremesa como em casa e o café é só se estiver incluído.”

Reportagem de Manuela Micael…

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