Como em tudo na vida, infelizmente, quem paga a fatura de quem nos governa tão mal, são todos menos eles próprios. Quem pagará a fatura da falta de professores serão os próprios e os alunos que serão sujeitos a ainda mais carga horária para serem avaliados.
Cinco meses passados desde o arranque do ano letivo, ainda há turmas sem professores. As queixas vão chegando, semana após semana, ao Portal da Queixa, relatando meses sem soluções para esta falha, quer por parte da escola quer por parte do Ministério da Educação (ME). Sem aulas, as escolas debatem-se com respostas para avaliar os seus alunos, principalmente aqueles que se encontram em anos de exames nacionais. A solução passa por pedir horas extraordinárias a docentes que se mostrem disponíveis para lecionarem turmas com disciplinas em falta e esticar o horário diário dos alunos, dizem diretores. Em casos extremos, por passagens administrativas.
A lei prevê que haja, no mínimo, dois momentos de avaliação por ano, distribuídos por qualquer período (no caso das escolas que apliquem o sistema por períodos e não semestres). “Admito que, no caso dos alunos que não tiveram aulas no 1.º período, não foram ainda avaliados e, por isso, terão de ter avaliação nos dois restantes”, explica o dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
A Escola Secundária de Bocage, em Setúbal, é um dos vários exemplos onde este cenário se repete. Desde o início do ano letivo que o diretor da instituição, Pedro Tildes, de 55 anos, gere uma escola sufocada pela escassez de profissionais. “Consegui agora em janeiro colocar um professor de História que estava em falta, de Geografia em dezembro, mas ainda me falta um professor de Ciências”, conta ao DN. Ao todo, há cinco turmas do 8.º e do 9.º ano sem professor de Ciências, “porque o que tínhamos adoeceu”.
A solução passa por distribuir turmas por outros colegas do mesmo grupo de recrutamento. Mas “só o consegui fazer em novembro, porque estes professores tinham de aceitar dar horas extraordinárias”. “No ano passado, fui eu mesmo que colmatei o problema, ao dar aulas”, acrescenta. Todos os alunos que não puderam ter aulas durante o primeiro período “não tiveram nota”, mas a lei obriga a garantir avaliação nos próximos dois períodos.
Caso a falta de professor se prolongue, acrescenta Filinto Lima, “a disciplina não pode contar para a avaliação final nem para a passagem de ano” e, no ano letivo seguinte, “pode pesar na carga horária” dos estudantes. Uma solução que poderá influenciar a dinâmica diária de inúmeras famílias, cujos filhos estarão obrigados a passar mais horas na escola, além do horário estipulado no início de cada ano.
“O que fazemos é dar mais horas no ano seguinte e tentar que, nesse ano, estas turmas tenham um professor dos quadros”, conta o diretor Pedro Tildes. “Mas mesmo os professores do quadro já não são uma segurança, porque já estão envelhecidos – este é um problema da classe – e, por isso, mais sujeitos a doenças. Já nada é uma garantia”, desabafa.
Filinto Lima não tem conhecimento de que alguma escola a nível nacional esteja a passar por “uma situação tão drástica”. “Há falta de professores, sim, mas tem-se conseguido combater”, pedindo aos professores que façam horas extra para lecionar as disciplinas onde este problema toca, mesmo que esta não seja a sua área de ensino.
Uma solução, aliás, aprovada pela própria Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE). Recentemente, a DGAE enviou uma nota às escolas em que explica que a existência de horários ainda por preencher no início do 2.º período obriga a “reajustamentos no circuito delineado para a satisfação das necessidades ligadas à docência” de determinadas disciplinas, nomeadamente Português, Inglês, Geografia e Informática. Isto é, há autorização para que os professores de uma determinada área possam lecionar outra, desde que tenham “estágio pedagógico habilitante” ou “adequada formação científica”.
“Isto é recuar muitas décadas no nosso ensino, é uma sobrecarga para os professores e é como pôr um penso rápido num doente que tem uma doença gravíssima”, diz a ANDAEP.
“Faz lembrar os anos 80 em Portugal, em que um professor podia só ter o 12.º ano para exercer, porque não havia professores”, diz o dirigente da ANDAEP. “Isto é recuar muitas décadas no nosso ensino, é uma sobrecarga para os professores e é como pôr um penso rápido num doente que tem uma doença gravíssima”, acrescenta. A resposta a este problema “deveria ser uma reforma estrutural”, porque “o problema começa no facto de se tratar de uma profissão cada vez menos apetecível”.
Contudo, caso o cenário de falta de professores se alastre durante um ano letivo inteiro, a escola “teria de recorrer a passagens administrativas”. Isto é, atribuir a cada aluno afetado a nota mínima – três no ensino básico e dez valores no secundário. Uma solução que descerá automaticamente as médias do ensino secundário, constituindo uma consequência grave para os alunos que queiram concorrer ao ensino superior.
Concursos “estão feitos para excesso de professores”
O presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) partilha a opinião e exige “medidas urgentes”. Em último caso, explica Manuel António Pereira, as escolas “têm recorrido a contratações e Ofertas de Escola” para suprimir as necessidades atuais. Mas nem estes concursos são uma garantia absoluta, alerta o diretor Pedro Tildes.
“Está a ser muito difícil substituir os professores que saem. Ainda se vai encontrando na Oferta de Escola, mas eu para chegar lá tenho de passar por dois ciclos de reservas de recrutamento [a cada sexta-feira de uma semana abre uma reserva de recrutamento à qual as escolas podem recorrer]. Aqui, encontramos listas vazias e esperamos pela Oferta de Escola, ao final de duas semanas. Mas mesmo nestas listas, temos um problema: pode haver quem entre, mas depois renunciam – porque fica muito longe de casa, por exemplo – e eu tenho de recorrer a um novo concurso de Oferta de Escola”, explica o representante da escola de Setúbal.
O também professor de Geografia considera que os atuais concursos de recrutamento “estão feitos para um sistema de excesso de profissionais e não de escassez”. “Já não há professores. Até há cerca de três ou quatro anos, havia muitos professores, os sindicatos falavam à volta de 30 mil não colocados. Cheguei a ter cinco professores a mais para Informática. Mas, entretanto, estes professores desapareceram do sistema, devem ter desistido para fazer outras coisas, seguir outras carreiras”, lembra.
Escolas sobrevivem “com professores que chegam do norte”, mas “isto implica que eles se desloquem, que paguem rendas altas, que se distanciem da família, muitas vezes para vir preencher um horário incompleto.”
A norte, a situação “não está tão complicada”, diz. Em parte, pelas rendas (mais altas a sul); por outro lado, porque há mais oferta de formação de professores no norte do país. Indo para sul do Mondego, “a situação complica-se”. O cenário atual obriga estas escolas “a sobreviver com professores que chegam do norte, onde ainda vão existindo mais professores”, mas “isto implica que eles se desloquem, que paguem rendas altas, que se distanciem da família, muitas vezes para vir preencher um horário incompleto”.
“Uma coisa é certa”, acrescenta o presidente da ANDE: “Os alunos não podem ser prejudicados por não terem professores e aí a escola tem de os proteger de qualquer forma. Em primeiro lugar, o superior interesse dos alunos.”
Fonte: DN