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“A reabertura das escolas tem uma grande propensão para originar uma segunda onda.”- Manuel Carmo Gomes

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Desde meados de agosto que os novos casos de covid em Portugal estão numa “trajetória crescente” e, a uma semana da reabertura das escolas, a grande questão é a de saber qual será o impacto do regresso às aulas e da maior mobilização da população no contágio.

“A reabertura das escolas tem uma grande propensão para originar uma segunda onda. Mas não é uma fatalidade, não é inevitável e até conseguimos estimar aproximadamente o que é possível fazer, em termos gerais, para a evitar”, afirmou esta segunda-feira Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia e um dos peritos que participaram na reunião com políticos, pela primeira vez com transmissão online, a partir da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e pela primeira vez

“Se a rede de contactos dos jovens nas escolas for reduzida para metade ou um terço do período pré-covid, a segunda onda pode ser evitada”, explicou o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas a essa redução de contactos nas escolas é necessário que se junte um corte para metade dos contactos na sociedade em geral.

“Se o relaxamento dos contactos na sociedade voltar ao que era antes da covid, mesmo reduzindo os contactos escolares a um terço, não se consegue compensar a transmissão e há uma segunda onda”, frisa Manuel Carmo Gomes, que apresentou cenários feitos com base num modelo matemático desenvolvido em Portugal. Caso se conseguisse manter uma redução de 50% dos contactos na sociedade e nas escolas fosse de 30%, “então o modelo sugere que a probabilidade de uma segunda já é muito baixa”.

Para conseguir essa diminuição de contactos nas escolas, defende o especialista, é preciso “flexibilizar” os regimes de aulas. “O regime misto deve ser tido em conta e em áreas de conhecimento o ensino virtual é possível.” É também necessário “maximizar” o espaço na sala de aula, reajustar horários, garantir ventilação e ter uma só sala para cada turma. Além disso, “é preciso reforçar as equipas de saúde pública, algo que os epidemiologistas andam a dizer há quatro meses”, refere Carmo Gomes, defendendo também a criação de equipas móveis para intervenções mais rápidas.

Elencando vários exemplos de escolas que já reabriram um pouco por todo o mundo, a diretora da Escola Nacional de Saúde Pública, Carla Nunes, defende que os estabelecimentos de ensino “não serão provavelmente ambientes de propagação mais eficazes do que outros ambientes ocupacionais ou de lazer com densidades semelhantes de pessoas”. E o facto de a reabertura das escolas não ter sido “associada a aumentos significativos na transmissão comunitária”, tanto no caso das escolas secundárias que reabriram em Portugal entre maio e junho, como noutros casos europeus, ajudam a reforçar essa perceção

IDADE DAS CRIANÇAS IMPORTA
Maria João Brito, responsável pela Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, explicou em detalhe qual o impacto da doença nas crianças, com base nos casos que chegaram ao hospital e nos estudos científicos internacionais publicados nos últimos meses. “O SARS-COV-2 não se transmite como a gripe e outros vírus respiratórios, onde as crianças são frequentemente o caso índice nos disseminadores de infeção domiciliar e comunitária. Estas informações podem ser reconfortantes nas decisões sobre a reabertura das escolas”, apontou.

Contudo, a médica frisou o facto de a taxa de transmissão não ser igual nas crianças, adolescentes e jovens. “As crianças mais novas (0 a 9 anos) representam uma pequena percentagem dos casos índice e a taxa de transmissão é mais baixa do que nas crianças mais velhas, entre os 10 e os 16 anos”, explicou. “Parece imperativo considerar a idade das crianças ao planear a reabertura das escolas. Abrir infantários, escolas secundárias ou faculdade são coisas diferentes. As consequências de transmissão da doença nas crianças nos vários tipos de ensino são diferentes.”

Dos 5148 casos registados entre crianças, 114 precisaram de ser internadas, ou seja, 2,2% do total, registando-se cinco que passaram pelos cuidados intensivos e ainda dois óbitos. “É uma doença pouco frequente na pediatria, mas potencialmente grave. Tem uma mortalidade muito baixa e à semelhança do adulto, também há crianças assintomáticas.”

LETALIDADE DE 19,1% ACIMA DOS 80 ANOS
Ainda antes de se falar sobre o regresso às aulas, a reunião abriu com uma atualização sobre a situação epidemiológica feita por Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde. Reconhecendo que “desde metade de agosto” que tem estado a registar-se uma “trajetória crescente”, o especialista referiu 3909 novos casos entre 17 e 30 de agosto, dos quais metade eram assintomáticos (48%).

Cerca de dois terços dos infetados (64%) neste período têm menos de 50 anos. A maioria dos casos foi registada na região de Lisboa e Vale do Tejo (56%) e no Norte (31%). Uma pequena percentagem esteve fora de Portugal durante o período de incubação (4%). É nos mais jovens, entre os 20 e os 29 anos, que tem estado o maior número de casos – e a incidência neste grupo etário está a subir com mais intensidade.

Em metade dos casos o contágio foi feito em ambiente familiar (49%) e cerca de 16% no trabalho. O especialista indicou ainda que os concelhos de Mora, Sernancelhe, Armamar, Arouca, Vila Verde e Arraiolos são os que registaram maior número de casos por 100 mil habitantes neste período. “Todos são explicados com a ocorrência de surtos”, referiu.

O especialista da DGS apontou ainda para um total de 43 óbitos neste período, 5% dos quais em idades abaixo dos 70 anos. A taxa de letalidade nacional é de 3,1% neste momento, sendo que entre as pessoas com mais de 80 anos a letalidade sobe para 19,1%.

VACINA SÓ SE FOR SEGURA E EFICAZ
Quanto à vacina, o presidente do Infarmed, Rui Ivo, voltou a sublinhar que nenhuma vacina será disponibilizada sem segurança. “As vacinas serão disponibilizadas após ser assegurada qualidade, segurança e eficácia, sendo esta avaliação realizada pela Agência Europeia de Medicamentos com intervenção do do INFARMED e restantes autoridades dos Estados-Membros da União Europeia.”

Correspondendo a população portuguesa a 2,3% da população europeia, estima-se que Portugal receba 6,9 milhões de vacinas da AstraZeneca/Universidade de Oxford “ao longo do período do contrato”, apontou o responsável, lembrando que a DGS está a “definir populações-alvo e estratégia de vacinação”.

Já a responsável pelo Inquérito Serológico Nacional, levado a cabo pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e que concluiu que cerca de 3% da população portuguesa teve contacto com o vírus, referiu a “necessidade de manter a monitorização” da seroprevalência. “Teremos de redimensionar a amostra e redefinição de novos grupos etários”, afirmou Ana Paula Rodrigues.

Na reunião, Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), detalhou o estudo que será desenvolvido nas próximas semanas na região de Lisboa, envolvendo 1000 infetados e 1000 não-infetados, para ajudar a perceber os fatores que determinam a infeção. “O estudo não é fácil, é preciso ter equipas com treino e alinhar uma série de intervenientes”, afirmou, indicando que o estudo resulta de uma parceria entre o Ministério da Saúde, a DGS, o INSA, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, a Escola Nacional de Saúde Pública e o ISPUP.

Expresso