Pretendo com esta carta transmitir-vos, senhor primeiro-ministro, a minha grande preocupação face ao estado em que se encontra um dos mais importantes sectores da nossa sociedade – a educação.
A mesma grande preocupação foi afirmada por V. Exa., em finais de 2015, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, ao dizer para quem quis ouvir:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das Finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação.”
Eu ouvi, não esqueci.
Mais de sete anos sobre esta solene afirmação, nada de verdadeiramente importante aconteceu. A verdade é que estas vossas palavras ainda não passaram à prática e é por isso que os professores saem à rua em muitas e sucessivas manifestações.
Diga-se, em abono da verdade, que ampliámos a escolaridade obrigatória para 12 anos, que aumentámos o número de escolas e que melhorámos consideravelmente o parque escolar, mas o problema continua por resolver. O problema está na inexistência de uma política de educação concertada entre governos e oposições, pensada a duas, três ou mais legislaturas, que envolva: (1) gente verdadeiramente capaz de a concretizar, visando com especial atenção os programas e os manuais de ensino; (2) a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta; (3) a par de uma completa revolução na respectiva máquina ministerial. O problema está, ainda, na manifesta insuficiência das dotações orçamentais necessárias a este importante sector da administração.
Estas manifestações revelam que os professores são uma classe desacarinhada, desprotegida e mal paga, muitos deles a viverem longe de casa ou a somarem quilómetros de deslocações, sem terem a dignidade e o respeito que lhes são devidos como agentes de uma das mais relevantes profissões de qualquer sociedade.
Estas manifestações dizem-nos, ainda, que os professores são prisioneiros de múltiplas obrigações administrativas e outras, que nada têm que ver com o acto de ensinar. Dizem-nos, também, que precisam de tempo para pensarem e agirem no desempenho da nobre missão que escolheram como modo de vida.
Estas manifestações explicam porque é que há cada vez menos interessados em seguir a profissão e porque é que os que nela labutam só esperam reformar-se logo que a idade o permita.
Em minha opinião, senhor primeiro-ministro, e na de muitos dos que têm vindo a público, não temos estado a formar os jovens que a democratização do ensino trouxe às nossas escolas. Temos estado, sim, e continuamos a estar, focalizados nas estatísticas e, nessa óptica, os professores são como que coagidos a amestrarem os alunos a acertarem nas questões que irão encontrar nos exames finais.
Em minha opinião, a formação dos professores deixa muito a desejar e o sistema de avaliações, praticamente, nada avalia. Lembremos propostas de avaliações a sério que têm sido rejeitadas (com o apoio dos sindicatos) por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Sim, porque também sei que, a par dos muitos bons professores, há os que não o são.
Estamos a atentar contra o futuro de Portugal.
Sou, senhor primeiro-ministro, o que se costuma dizer um velho, mas continuo bem lúcido e longe de estar cansado. Se desejar aproveitar o muito que os anos e a experiência me ensinaram, basta que me mande chamar.
Com os meus respeitosos e amistosos cumprimentos,
António Marcos Galopim de Carvalho