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A pandemia do digital na educação – Jorge Teixeira

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A vida e o trabalho dos professores têm sido afetados de várias formas, predominando, no entanto, mais as ruturas do que as continuidades. Nas últimas semanas, foram eles que tiveram de caminhar a uma velocidade supersónica para implementarem os planos de ensino a distância nas escolas. São os equipamentos e os recursos dos professores que permitem desenvolver estes planos, contribuindo para que o Ministério da Educação tenha a maior rede de escritórios do país.

Desde março que a velocidade de propagação do digital, na educação, tem sido superior à velocidade de propagação do coronavírus SARS-CoV-2. Antes, durante ou após a Covid-19, a escola deve, sobretudo, proporcionar uma boa formação de base e pôr os alunos a pensar. O mais importante não é o digital, mas utilizar estratégias que desenvolvam ao máximo as capacidades dos alunos de forma a participarem ativamente na vida pública (científica, política, económica, social e cultural). O digital não é o fim, é o meio. Assim sendo, o foco deve incidir sobre a criatividade, o “porquê das coisas” e o “para quê” do esforço em aprender, ou seja, uma escola que estimule os alunos a pensar, a refletir e a trabalhar o conhecimento e as competências, ao invés de apenas os testar e avaliar. Sem desenvolver as competências, deixa de ser possível aplicar o conhecimento, e, sem o conhecimento de base, as competências servem de pouco. Uma forma de desenvolver as capacidades dos alunos é através de metodologias ativas aplicadas a problemas concretos.

Portugal tem um espectro muito variado de professores. Considerando apenas dois eixos, eixo das metodologias e eixo da utilização do digital, podemos encontrar professores com vários perfis. Desde os que recorrem, na sua prática letiva, a metodologias mais centradas na transmissão de conhecimentos, com pouca ou nenhuma utilização do digital, até aos que usam metodologias ativas centradas no digital, passando pelos que utilizam o digital apenas para a transmissão de conhecimentos, ou os que usam metodologias ativas sem digital.

Um estudo publicado em outubro de 2019 mostra que, independentemente do meio de ensino, o determinante na aprendizagem dos alunos são as estratégias. Ora, nos projetos Clube do Ensino Experimental das Ciências e Centro de Recursos de Atividades laboratoriais Móveis, implementados em Chaves desde 2006 e 2019, em que o fator determinante também são as estratégias, os resultados do ensino a distância não diferem dos resultados do ensino presencial. Apesar do tripé de sustentação desses projetos ser a teoria/ experimentação/ computação, onde o digital emerge naturalmente e a metodologia utilizada é ativa, há a necessidade de utilizar a transmissão de conhecimentos.

Deste forma, a pandemia do digital durante a Covid-19 deve ser utilizada como oportunidade e não como oportunismo. Oportunidade para a comunidade escolar melhorar as competências digitais, as escolas adquirirem equipamentos ou utilizar os que têm de forma a adaptar o ensino à realidade dos alunos (para os quais o digital ocupa uma parte significativa do seu tempo) e saber retirar algumas lições para o futuro, ao nível das metodologias/ estratégias utilizadas. Que não haja, todavia, o oportunismo para criticar os professores e as escolas que fazem uma utilização pouco intensiva do digital. Há excelentes professores com estratégias low-tech e humanizantes na relação e proximidade com os alunos que mostram ser muito eficazes na aprendizagem. O caminho a seguir deve ser o da valorização de todos e da pluralidade de metodologias.

Tal como ocorreu a crise da Covid-19 também podem ocorrer outras crises. Uma das crises previstas está relacionada com as tempestades solares, com efeitos negativos na rede elétrica durante dias ou meses, com implicações no acesso ao digital — daí que não seja recomendável apostar tudo na tecnologia digital.

É importante achatar a curva do gráfico de novos infetados pela Covid-19, mas também me parece sensato que exista um aplanamento da curva na utilização das ferramentas digitais. Sendo fundamental dar tempo aos alunos para aprenderem a utilizar as ferramentas, para que não haja dispersão da atenção que desvia recursos cognitivos para as tarefas de aprendizagem.

Os alunos que desenvolveram projetos no Clube do Ensino Experimental das Ciências, em articulação com o ensino formal, foram questionados sobre o impacto dos projetos na sua vida. As respostas indicam que o digital foi importante para a motivação e para o desenvolvimento dos projetos, mas o mais importante foi a metodologia utilizada, o impacto na comunidade e a relação de proximidade entre todos os intervenientes. São, assim, os próprios alunos quem refere que o “digital não é o fim, é o meio”.

Professor vencedor do Global Teacher Prize Portugal 2018, Embaixador da Fundação Varkey e Diretor do Centro de Recursos de Atividades Laboratoriais Móveis no Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins, em Chaves.

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.

Fonte: Obsevador