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A longa “lista negra” das escolas – André Julião

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Camarate, Seixal, Barcelos, Santiago do Cacém, Oliveira do Hospital. A lista continua, para norte, para sul, para o litoral e para o interior. Uma longa lista negra construída de raiz com base nas preocupações de mães, pais, professores, diretores. São nomes de escolas públicas, locais onde é suposto ensinar, aprender, conviver, crescer e amadurecer.

Escolas, todas elas com materiais contendo amianto que há muito terminaram o seu ciclo de vida. Escolas onde chove nas salas de aula, nos pavilhões desportivos (aquelas que os têm), onde os alunos se recusam a usar as casas de banho de tão degradadas que estão, onde passam frio ao ponto de quase entrarem em hipotermia, onde correm o risco diário de serem atingidos por telhas ou tetos falsos. Este é o retrato atual da escola pública no país real, pintado por quem o vive diariamente.

O problema é que eu, você e os restantes leitores do PÚBLICO não vivemos num país consciente nem racional. Este é o país que, pela primeira vez na sua história democrática, vai apresentar um superávit, mas onde as crianças têm de levar mantas e luvas para a escola e respirar partículas de amianto de telheiros de fibrocimento que semanalmente caem nos recreios. Este é o país em que uma autarquia com um orçamento superior a 70 milhões de euros lamenta não ter verbas para fazer avançar um projeto de requalificação de uma escola orçado em pouco mais de um milhão.

“Só neste país”, podia o caro leitor dizer entredentes, entoando a popular canção de Sérgio Godinho. Então, o que dizer se soubesse que o ministro Centeno destinou, no Orçamento do Estado para 2020, uma “generosa” verba de 20 milhões de euros para remover materiais com amianto de todos os edifícios públicos, menos de 5% do necessário?

O que diria então se, apesar de haver uma lei de 2011 que assim o obriga, o Governo se recuse a tornar pública uma lista pública e atualizada de edifícios públicos com materiais contendo amianto? E mais, que não divulgasse sequer o nome das escolas que ainda contêm este material comprovadamente cancerígeno e muito menos um calendário de intervenções para a sua remoção?

Diria talvez que “estamos entregues à bicharada” ou que “isto é a república das bananas”. Então o que dizer quando soubesse que o Ministério da Educação andou o mês de dezembro de 2019 a telefonar para os diretores de várias escolas da Área Metropolitana de Lisboa a perguntar se ali há amianto? Ou que escolas que nunca conheceram qualquer intervenção estivessem oficialmente dadas como livres de amianto? Ou ainda que existem escolas onde as obras ficaram a meio e funcionam com pavilhões descarnados e telheiros de fibrocimento empilhados mesmo no meio, onde os alunos convivem e brincam?

É nestas escolas que o ministro Tiago Brandão Rodrigues quer que os nossos alunos passem mais horas – das 9h às 17h – e onde a grande prioridade é “uma iniciativa nacional para a melhoria da Internet”. Só mesmo neste país. Um país onde há um Orçamento do Estado com 800 milhões para injetar num banco, onde facilmente se descobrem 250 milhões para contribuir para a Agência Espacial Europeia ou onde até, com simplicidade, se afetam 21 milhões para construir um pavilhão na Expo 2020 no Dubai.

Mas onde as obras em escolas se arrastam ao sabor de eventuais programas comunitários que possam abrir, condicionados a eventuais candidaturas que possam ser aprovadas, reféns de calendários eleitorais, de caprichos caciquistas ou de brilharetes financeiros ao serviço de carreiras políticas. Pois é, caro leitor, só mesmo neste país.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

 

Fonte: Público