A encruzilhada na educação alastrou-se de vez à Europa. O flagelo da falta de professores agravar-se-á. É já indisfarçável na Alemanha, na França, na Itália e na Espanha. A receita da precarização destes profissionais foi fatal. Inscreveu políticas monstruosas de prestação de contas. É um diagnóstico consensual, com uma adjectivação factual.
Conclui-se que é crucial cortar nos paraísos fiscais, para não se subir impostos e investir nas políticas sociais. A sustentabilidade financeira dos estados não só desconhece alternativas, como explica porque é que o crescimento económico nunca é a “maré enchente que fará subir todos os barcos”.
A bem dizer, o todos contra todos e em todo o lado, inventado na década de 1980 pelos ultraliberais das Novas Políticas de Gestão Pública, fez dos professores um laboratório. A banalização do mal concretizou-se através de pequenas castas de beneficiários das políticas movidas por pequenos tiranetes. A profissão perdeu, abruptamente, atractividade. Os governos iludiram-se nos universos dos aparelhos partidários e das bolhas mediáticas e viciaram-se na inércia e nas estatísticas sobre certificação escolar.
É ler Michael J. Sandel. Acima de tudo, desde 1980 que os governos, nos EUA e no Reino Unido primeiro e na Europa depois, do centro-esquerda e do centro-direita, abraçaram uma versão ultraliberal da globalização do mercado que só deixa duas saídas para a educação: substituir professores pela robotização ou por colaboradores “uberizados” que guardem os alunos da tele-escola 2.0 durante o visionamento de conteúdos massificados pelas gigantes tecnológicas que investiram mais na digitalização do ensino do que em drones, 5G, tele-medicina e comércio electrónico; e a avaliação de todos será online.
Portugal é até um estudo de caso na degradação do exercício dos professores e na ausência de debate sobre os efeitos da transição digital, do capitalismo da vigilância e da Inteligência Artificial.
Mas o mais surpreendente, foi o Governo não prever a contestação dos professores. Só o descolamento da realidade sustentou essa desinformação. E não adiantou remetê-la para a atomização de sindicatos irrelevantes e pautados por agendas descoladas das salas de aula. Essa queda sindical tem anos e foi do agrado do mainstream. Só ignorou quem não ouviu ou leu. A interminável explosão, iniciada em Novembro de 2022, previa-se e manterá, felizmente, momentos sobreaquecidos como sinais de esperança e de movimento.
O desespero empurrou o Governo para a reparação de danos, para a manipulação da opinião pública e para a divisão dos profissionais. Os diplomas sobre concursos e tempo de serviço foram a prova cabal. Mas é assim desde 2008. Aliás, levamos mais de uma década de hostilidade, arrogância e insensibilidade. A cartilha comunicacional, que parece governar, desvalorizou e humilhou o estatuto social de uma profissão tão difícil. Requer, como na generalidade das políticas sociais, que se meta “as mãos na massa” para se perceber o essencial.
Nesse sentido, aclame-se que a dimensão incalculável da encruzilhada educativa não está para inércias nem ilegalidades tácticas. Tem que ser levada a sério. Se se conhece o que esgotou os professores e instalou um clima de “fuga”, também se inscreva que os tribunais consideraram ilegais os serviços mínimos decretados sucessivamente nas greves dos professores. Foi inadmissível que tenham sido aplicados e eito e com desleixo. Foram tacticismos que degradaram ainda mais o clima democrático das escolas e que não se podem repetir.
Além do mais, a inércia do Governo tornou-se ensurdecedora. Há caminhos livres dos espartilhos internacionais. Até já há dirigentes do PS que defendem as óbvias mudanças na educação, a começar pela gestão das escolas. Recupere-se o que acontecia até 2009, acrescentado de uma limitação, republicana e inequívoca, a dois mandatos para quem as dirige.
É crucial ouvir os professores. O Público divulgou recentemente um estudo robusto, com cerca de 10000 inquiridos, onde constam as 25 principais reivindicações. A ordenação das primeiras dez é óbvia: contagem de todo o tempo de serviço, eliminação de vagas e de quotas, redução da burocracia, alteração do modelo de gestão das escolas, revisão dos índices remuneratórios, alteração do modelo de avaliação, reposicionamento dos professores que aguardam vaga, novas regras para a aposentação e revisão da mobilidade por doença.
E se já se percebem os percursos para a carreira, a avaliação e a gestão das escolas, a desburocratização sumariza a inacção governativa. Após anos de estudos, e depois de negociações com os sindicatos e de uma cronologia de acções apresentada no Parlamento, o Ministério da Educação entregou a tormenta burocrática, que criou e estimulou, à LABX – “Centro para a Inovação no Setor Público”.
É uma demissão grave. Esta desburocratização exige conhecimento sobre ensino e requer um decreto com um só artigo: a um professor não se pode exigir um qualquer procedimento que inverta o ónus da prova. Resumidamente, desde que há escolas que os professores sabem que prestam duas contas a qualquer momento: como gerem o programa da disciplina que leccionam e como avaliam os alunos. A espécie de inversão do ónus da prova foi o sinal máximo da desconfiança e do inferno da burocracia e a súmula da precarização.
Em suma, assuma-se que é impossível reconstruir a educação pública neste clima de desesperança e que nada se fará sem os professores. A incerteza é a palavra chave e a confiança o critério de superação. Reconstrua-se o ambiente democrático da escola. Não se receie a liberdade de ensinar e aprender nem a defesa intransigente do bem público e comum.