Era sempre uma algazarra, por esta altura. Os centros de estudos tinham de esticar horários diários para conseguir dar resposta a todos os alunos que em breve se deparavam com as provas nacionais, as mais temidas de cada ano. No entanto, agora, em contagem decrescente para o arranque da época de exames nacionais – neste ano, apenas para o ensino secundário -, a partir do próximo dia 6 de julho, o cenário afigura-se bem diferente do habitual. Vive-se uma tranquilidade atípica. “Nunca foram tão poucos” os alunos a recorrer a explicações, diz Leonor Sousa, 53 anos, proprietária de um centro de estudos na Boavista, no Porto, e voz ativa pela sua classe desde o início da pandemia de covid-19 em Portugal.
Já lá vão 15 anos de trabalho neste centro de estudos, nos quais já cabe a memória de duas crises: a de 2010 e a que ainda agora começou. A primeira, contudo, não foi “nada parecido com isto”. Desta vez, não são só os rendimentos familiares que contam, mas “o medo” que persiste “de sair à rua”. “Para muitas pessoas”, conta, “ainda há um grande receio em estar com outros e em fazer o caminho de transportes públicos”. Se houvesse barómetro que medisse o impacto da pandemia no negócio, Leonor só saberia dizer que está “muito mal”. Mas ainda avança estimativas: até maio, “a quebra foi de 90%” de alunos.
Agora, “andará nos 70%”. Depois de três meses fechados, com reabertura no dia 15 de junho, Leonor sente o negócio “a recuperar, mas muito lentamente” e com clientes muito específicos: apenas aqueles sujeitos a provas. Com a suspensão dos exames nacionais do ensino básico, a época que arranca a 6 de junho já só preocupa os alunos do ensino secundário. Com a agravante de que, este ano, as regras mudaram e nenhum está obrigado a realizar exames, podendo escolher entre aqueles que necessitar para concorrer a uma licenciatura.
Procuram sobretudo apoio à disciplina de Matemática, “uma nota específica para vários cursos do ensino superior”. Mas também considerada a unidade curricular mais difícil pela generalidade dos estudantes. De acordo com um documento da Direção-Geral da Educação sobre o ensino da Matemática, entre o conjunto de disciplinas do ensino secundário, esta é considerada a mais difícil de todas. Relativamente ao ano letivo 2017/2018, quando os alunos foram questionados sobre aquelas em que tiveram mais dificuldades, a Matemática foi referida por 41,8% dos alunos dos cursos científico-humanísticos e por 31,4% daqueles que estavam em curso profissionais. E o governo aponta-a mesmo como um dos maiores motivos de insucesso escolar.
Vão ainda chegando “um ou outro do ensino superior”, para pedir ajuda para os testes. Ainda assim, a clientela não chega para fazer face às despesas. “Num dia bom”, contabiliza apenas “quatro explicações”.
Janeiro fazia adivinhar “um dos melhores anos de sempre”, que se tornou no pior
O ano já começou fora do normal, embora pela positiva. “A perspetiva era muito boa, até relativamente ao ano anterior, porque as pessoas estavam com menos dificuldades económicas, a economia estava a melhorar. Esperávamos um dos melhores anos de sempre”, admite Leonor Sousa. Até março, tinha a casa cheia. Ao todo, contabilizava cerca de 60 estudantes, alguns com explicações individuais, outros no apoio ao estudo – um serviço mais diário.
Também José Carlos Ramos lembra a bonança que se fazia sentir, no início do ano, nos centros de estudo. O diretor de franchising da Explicolândia – criada por si em 2004 e com nove unidades espalhadas por várias localidades do país – diz que “a marca estava a crescer, estava numa fase boa e o ano estava a começar muito bem”. Entretanto, o país parou e aquele que se previa ser um bom ano para as finanças dos centros de estudo tornaram-no o pior até então.
Com março, veio “um rombo” nas finanças. Se para Leonor a quebra assumida desde aquele mês rondou os 90%, para os centros de estudo da Explicolândia – distribuídos pela Amadora, Évora, Lisboa, Leiria, Sacavém, Torres Vedras, Póvoa de Santa Iria e Loulé – rondou os 70%. “Muitas mensalidades são pagas no início e ficaram aulas em crédito para o ano letivo”, conta José Carlos Ramos.
Abriram no mesmo dia: 15 de junho, numa das fases do plano de desconfinamento definido pelo governo. Mas nas salas ainda impera o silêncio. Os alunos “acabaram por ficar com os pais em casa”. Alguns porque “tinham apoio dos encarregados de educação”, outros porque sentiram que “as aulas eram diferentes, com os professores a pedir exercícios e a enviar correções a seguir”. “Foi um ano diferente”, além disso, “em que não avançaram muito nas aprendizagens”. Por isso, quando a carteira começou a apertar, “muitos pais pensaram: ‘temos de cortar em algum lado, podemos cortar nas explicações’“, recorda Leonor.
Nas unidades da Explicolândia, “a maior redução de alunos foi até ao 9.º ano”. “Não pela qualidade do serviço e preocupação dos pais”, garante o diretor da marca, mas pela ausência dos exames do 9.º ano, de avaliações presenciais e provas de aferição.
Certo é que o tempo somado desde o início da pandemia já foi suficiente para deixar mazelas. Como empresária em nome individual, Leonor dependeu “do apoio dos trabalhadores independentes”, o que “não chega para assegurar a renda”. Até nos colaboradores teve de fazer cortes. “Antes, tinha uma estagiária do IEFP e professores a recibos verdes. Consegui que a minha estagiária terminasse o período de trabalho dela e agora estou só eu e mais um professor a trabalhar.”
Garante que a crise “é geral”, embora haja quem se esteja a adaptar melhor por ter aplicado de forma eficaz o serviço online.
“O online é mais difícil de vender aos pais – há muitos receios, dúvidas, não se sabe quem está do outro lado”
O online está a salvar parte da crise e veio para ficar
É o caso da Explicolândia, que assim que colocou um pé em abril decidiu avançar com um plano de restruturação, que ia muito além da gestão de contas.
“Há dois anos, lembro-me, dei uma entrevista onde disse não acreditar no online. Eu próprio não acreditava que fosse capaz de substituir a presença física”, admite José Carlos Ramos. O que é facto “é que a crise obrigou a uma grande adaptação e criamos uma estrutura muito organizada para criar a credibilidade das aulas à distância, uma vez que o online é mais difícil de vender aos pais – há muitos receios, dúvidas, não se sabe quem está do outro lado”. Além de uma perceção generalizada entre pais de “que o online não vale o mesmo valor pela explicação” e que o diretor destas unidades diz estar errada, uma vez que até “é muito mais exigente”, não deixando “margem para descanso” aos explicadores.
Mas houve alunos e até localidade que reagiram melhor à inovação. “Em Lisboa, por exemplo, os alunos tiveram mais facilidade em converter para o online“, o que José Carlos Ramos explica ser “uma questão cultural” e “de perfil de alunos”, mais predispostos a este modelo. “Mesmo em termos de ciclos de escolaridade, foram os alunos do secundário que mais facilidade tiveram em converter. E foram esses que foram ficando”, conta.
A experiência tem sido “tão positiva” que já está a trabalhar no sentido de deixar que o apoio online se mantenha uma ferramenta de trabalho para o próximo ano letivo. Um ano que ainda é uma incógnita, mas que já suscita receios nos pais, que se estão a adiantar nos pedidos de ajuda. “Há pais que já estão a apostar em planos de revisões para o próximo ano. O ensino, à distância, não foi suficiente, e eles têm essa consciência e querem ajudar os filhos a recuperar, antes de começar as aulas.” Um plano, aliás, tomado em conta pelo próprio governo, que planeia que as cinco semanas iniciais do ano letivo sejam dedicadas à recuperação de conteúdos.
Teme-se, contudo, que a situação económica de março não seja a mesma de setembro e que as famílias estejam mais pobres para investir neste apoio adicional para os seus filhos. Leonor Sousa, do Centro de Estudos a Boavista, já adivinha tempos difíceis, embora mais esperançosos do que aqueles que vive atualmente: “vamos contar com uma crise no início do próximo ano, mas por outro lado as escolas estão a abrir e os pais já não deverão estar em casa, por isso, terão de deixar os filhos em algum sítio e vão recorrer ao apoio ao estudo.”
Fonte: DN