São docentes com habilitação própria, mas sem formação pedagógica. Entraram diretamente nos quadros do Ministério sem qualquer experiência no ensino. Sindicatos asseguram que “não ultrapassaram ninguém”, mas a Missão Escola Pública argumenta “ter informações por parte dos responsáveis pela formação de professores no Ensino Superior, que não existem condições, neste momento, para se garantir a profissionalização em serviço dos professores que a solicitarem”
Os números deram azo a polémica, mas o ministro da Educação garante que o último concurso extraordinário de professores permitiu a colocação de mais de mil professores em escolas de zonas carenciadas de docentes. De acordo com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), depois de fechadas as listas de colocação de mobilidade interna pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), foi possível apurar que “foram colocados ou garante-se a continuidade de 1.094 professores para darem aulas nas escolas localizadas em zonas carenciadas, dos quais 847 (77,4%) em escolas da Grande Lisboa (concelhos de Vila Franca de Xira, Loures, Sintra, Cascais, Oeiras, Amadora, Odivelas e Lisboa, Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Montijo, Alcochete, Palmela, Sesimbra e Setúbal)”.
O movimento cívico de professores Missão Escola Pública vem agora alertar que entre os professores que entraram para os quadros do MECI nesse mesmo concurso extraordinário, 174 “não tinham profissionalização e não tinham qualquer dia de serviço”. “Ou seja, são professores sem experiência, sem habilitação profissional para a docência, sem formação pedagógica portanto, e tememos que a própria habilitação científica esteja em causa”, alerta à CNN Portugal Cristina Mota, porta-voz do movimento.
“Sempre aconteceu entrarem para o ensino professores com habilitação própria, sem habilitação profissional para a docência. Mas é preciso notar que, antes de Bolonha, as licenciaturas eram de cinco ou seis anos. Agora são de três anos. Além disso, tinham um ano para fazer a profissionalização em serviço. Agora, vão ter quatro anos. Pelo menos durante esses quatro anos, vão estar no ensino e não sabemos se há alguém que faça o acompanhamento da qualidade do ensino que prestam. Também o público-alvo é diferente – a escolaridade obrigatória era até ao 9.º ano e agora é até ao 12.º, o que implica a necessidade de dar resposta a outros problemas dentro da sala de aula, nomeadamente a desmotivação de alguns alunos”, justifica Cristina Mota.
As contas, apresentadas pela Missão Escola Pública, em parceria com Davide Martins, do Blogue DeAr Lindo, não suscitam a mesma preocupação do lado dos sindicatos dos professores. “É grave é que o Ministério esteja a permitir que as escolas contratem técnicos especializados para dar aulas e tenhamos, por exemplo, farmacêuticos a dar ciências. Estes professores que vincularam era professores com habilitação própria para dar aquelas disciplinas”, analisa Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof (Federação Nacional de Professores).
Também o dirigente da Federação Nacional da Educação (FNE) Pedro Barreiros reforça que se trata de “professores com habilitação própria” e, por isso, aptos a dar aulas. E sublinha que “não podemos estar contra todas as medidas para fazer face à falta de professores”.
Tanto Fenprof como FNE lembram que estes 174 docentes têm quatro anos “para fazer a profissionalização em serviço” e que, caso não o façam, deixam os quadros do Ministério.
Mas a Missão Escola Pública argumenta “ter informações por parte dos responsáveis pela formação de professores no Ensino Superior, que não existem condições, neste momento, para se garantir a profissionalização em serviço dos professores que a solicitarem”.
Pais confiantes
A Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP) prefere, “pelo menos para já”, confiar na competência do Governo para contratar docentes. “Estamos a confiar na avaliação feita por quem está a contratar estas pessoas e no acompanhamento que irá ser feito do seu trabalho”, sublinha Mariana Carvalho, presidente da CONFAP.
“A falta de professores vem-nos a assolar há vários anos. Não é só de agora. Nós queremos é que os nossos professores se sintam bem e consigam conciliar a sua vida profissional e pessoal. O Governo criou uma estratégia para fazer face a esta emergência nacional, porque é uma emergência nacional a falta de professores. Estas pessoas foram consideradas aptas para o trabalho. Não temos indicação do contrário. Não recebemos queixas nem de pais, nem de outros professores que nos permitam aferir o contrário”, acrescenta a dirigente associativa.
Mariana Carvalho prefere sublinhar os “vários malefícios da falta de professores” e reforça que é preciso “encontrar estratégias para encontrar” docentes.
Sem ultrapassagens
Sobre a possibilidade de estes 174 docentes terem ultrapassado outros professores com décadas de serviço e que ainda não fazem parte dos quadros do MECI, os sindicatos asseguram que não há perigo de isso ter acontecido. “Só entraram porque não houve ninguém profissionalizado para aquelas vagas. Eles concorreram na segunda prioridade. Se tivesse havido oposição de professores profissionalizados àquelas vagas, eles não tinham vinculado”, assegura Mário Nogueira.
A Fenprof prefere sublinhar, contudo, que o concurso extraordinário de docentes de pouco serviu para trazer professores para a Escola Pública. “O concurso externo extraordinário foi importante para os professores que vincularam, porque passaram a integrar os quadros e ingressaram na carreira. No entanto, em relação ao efeito que se anunciava de resposta à falta de professores, o concurso foi um insucesso, tal como foi a contratação de docentes aposentados e, provavelmente, outras medidas das quais o MECI tarda em divulgar os números”, referiu a estrutura sindical num comunicado enviado às redações.
Em declarações à CNN Portugal, esta quarta-feira, Mário Nogueira reforça que o concurso extraordinário “só trouxe para as escolas 265 novos professores. “Os outros que vincularam já estavam colocados nas escolas. Eram é só contratados”, garante o dirigente sindical, que alerta ainda para a quantidade de vagas que ficaram por preencher.
De acordo com as contas do Ministério, o concurso extraordinário abriu 2309 vagas, ficando colocados 1822 docentes. Há 153 que não aceitaram a colocação e mais 575 que, “dentro das suas preferências, não conseguiram um horário numa escola”, nota o comunicado do MECI. Destes, 227 professores ficaram por colocar e “têm vínculo ao QZP que abrange os concelhos de Vila Franca de Xira, Loures, Sintra, Cascais, Oeiras, Amadora, Odivelas e Lisboa”.
A CNN Portugal questionou o MECI sobre estes números e sobre as garantias dadas ao sistema de ensino acerca do acompanhamento do trabalho destes professores. Até ao momento da publicação deste artigo, não obteve qualquer resposta.