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Uma criança, um abraço e a Covid – Eduardo Sá

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“É, realmente, preocupante de que, na sombra do COVID-19, os adultos não se apercebam dos danos nos valores das crianças; tão difíceis de adquirir mas fáceis de perder. Dou como ex. o meu filho + novo, que iniciou este ano o 1.º CEB. Depois de um dia de escola -a qual, apesar das contingências, ele adora e onde está muito feliz- enquanto eu lhe dava o habitual banho, começou a chorar. Quando lhe perguntei o motivo, confessou-me que uma colega lhe tinha dado um abraço… E que ele estava com medo de apanhar COVID! Claro que tive que desmistificar, valorizar o abraço e dizer-lhe para não se preocupar. Acalmou, compreendeu, mas não sem deixar de dizer, ainda com alguma preocupação: “Hoje deu-me um abraço. Mas amanhã ainda me dá um beijo”. Luís

Um abraço é 1 gesto estranho. 2 pessoas aceitam não desconfiar. Aproximam-se. Levantam os braços, como se se fossem atacar. Respiram quase o mesmo ar. Puxam-se uma para a outra. E, enquanto respiram fundo, dão-se colo. Sorrindo. Depois dum abraço, 2 pessoas que se distanciem, já não se afastam. Fica um laço que as prende à confiança. E que não se desfaz.

É claro que há quem nos dê 1 abraço sem esperar, sequer, recebê-lo de volta. Porque quem somos faz com que gostem de nós. Terá sido assim com a amiga do seu rapaz. Só que, em vez da lisonja, própria de quem se sente gostado, o abraço chegou-lhe com culpa. Do género: “Que é que eu fiz?!”. E a estranheza de alguém lhe ter feito mal ao fazer-lhe bem. A que juntou o medo, claro, de que todas as recomendações que lhe têm sido feitas tivessem ficado hipotecadas nos braços de uma amiga

O que nos arranha a alma é que a liberdade de abraçar, em 8 meses, tenha caducado. E que este tempo que deslaça as pessoas tenha vindo para ficar. É verdade que nos une a esperança de que as crianças, depois disto, abracem sem sombras e sem medo. Com garra. E sofreguidão, até. Mas acho que, considerando os nosso filhos + pequenos, a palavra de ordem devia ser: destapar o rosto, tocar e abraçar. Não é tanto para nos insurgirmos contra a pandemia. É, +, por não querermos que os gestos afectuosos que, ao longo dos séculos, conquistámos à desconfiança humana se transformem numa doença. Com futuro.

Eduardo Sá – Instagram