Início Sociedade Uma creche não é um depósito de crianças – Diogo Agostinho

Uma creche não é um depósito de crianças – Diogo Agostinho

2286
0

Começo por dizer que este não é um artigo com soluções. Apenas problemas. Mas a vida das pessoas enfrenta problemas todos os dias, e importa não fingir que os problemas existem. É um bom primeiro passo.

Compreendo tudo o que se passa. Tomar decisões, em qualquer altura é difícil, ainda para mais nesta fase. Compreendo que a economia precisa de voltar a girar. E precisa. Compreendo que todos os sectores querem as portas abertas. Compreendo os enormes prejuízos que iremos pagar no futuro. Mas é óbvio que por mais pressão que exista, e existe, a ideia de criar regras para a abertura das creches não é de alguém que saiba o que é uma creche.

Primeiro ponto fundamental: uma creche não é um depósito de crianças. Não se joga ali o menino e lá para a tarde se vai buscar. Não é. É um espaço de afectos, carinho, brincadeira, cuidado e aprendizagem. Pensar que crianças com menos de 3 anos vão manter distância social é não conhecer crianças de 3 anos. Isto pode complicar os planos de abertura da economia? Sim, complica. Mas se não faz sentido a abertura da escola primária ou básico, então as creches e pré-escolar muito menos.

Uma creche tem toque, tem beijinhos, tem contacto social. E acabar com isto tudo não se decreta. Não se escreve. Uma criança chora, precisa de colo. Uma criança precisa de ajuda, de apoio, de mimo. E os profissionais do sector também precisam da mesma protecção. Ora, se não há abertura dos outros anos, porque vai abrir a creche agora e o pré-escolar depois? É que caso exista contágio, não será só da criança, pois ainda não está provado que a criança não é transmissora. Este é um ponto que os especialistas nos devem garantir. Aqui é a ciência que tem a palavra.

Não é fácil. Mas como pode um pai confiar neste modelo? É impossível fazer copy paste de modelos de outros sectores. Impossível.

Soluções? Difíceis. O teletrabalho é, sem dúvida, uma solução. Aliás, o que esta quarentena nos demonstrou é que o teletrabalho, em determinados sectores (bem sei), é uma solução razoável. Não, a Líder da CGTP não está correcta. No dia do trabalhador ouvir a líder da CGTP dizer que o teletrabalho não protege o trabalhador e o isola dos colegas é perceber que, de facto, as confederações sindicais vivem ainda no século passado. Está aqui uma das razões do nosso atraso e falta de competitividade. Mas adiante, foquemo-nos no que realmente interessa. O ponto do teletrabalho. E aqui também levanto questões e problemas. Por exemplo, dois pais, em teletrabalho, não conseguem garantir que são pais, professores e trabalhadores ao mesmo tempo. Por isso, para o caso de dois pais em regime de teletrabalho, a possibilidade de um colocar apoio à família é de uma inteira justiça para não dizer de forte apoio à saúde mental da família. Quer dos pais, quer das crianças.

Mas e quem não está em regime de teletrabalho? Como faz? Como pode ir trabalhar, em segurança, preocupado com o filho? Esta situação é, ainda mais preocupante, do que quem está em teletrabalho.

Tudo isto precisa de respostas.

E, já agora, importa olhar para os bons exemplos de fora. A ideia da Alemanha em consagrar na legislação o direito à opção pelo teletrabalho, mesmo depois de terminada a crise relacionada com a pandemia da covid-19, é mais um passo na busca de outras soluções.

Ficam dois temas. Temas que chocam entre si, temas que afectam hoje a vida das pessoas, preocupadas com os seus filhos. Para tudo isto é preciso sensibilidade, muito bom senso e capacidade de olhar os temas com diferentes visões. Isto é complexo.