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Um quarto das escolas do ensino básico discrimina alunos repetentes

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Em muitas escolas, o percurso académico dos estudantes é determinante na formação das turmas, com pelo menos um quarto dos estabelecimentos do ensino básico a discriminar os alunos que trazem chumbos no currículo, concluiu uma equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa naquele que é o maior estudo sobre o fenómeno da segregação em escolas públicas. O problema é há muito conhecido, mas nunca antes tinha sido quantificado.

O que os investigadores da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) verificaram é que, em média, 20% dos alunos do 5º ao 9º anos com pelo menos uma retenção são colocados em ‘turmas de repetentes’, mas há práticas muito diferentes entre escolas. Num quarto dos estabelecimentos de ensino a segregação só atinge, no máximo, 10% dos alunos que já chumbaram. Mas noutro quarto chega a afetar, pelo menos, um terço dos estudantes repetentes.

Neste último caso, há uma concentração anormal de alunos com chumbos em determinadas turmas. Seria preciso recolocar, no mínimo, 33% dos jovens noutras turmas para que a sua distribuição fosse equilibrada, atendendo às características da população desse mesmo estabelecimento de ensino.

Para chegar a esta conclusão, os investigadores, liderados por João Firmino, do Centro de Conhecimento da Economia da Educação, analisaram uma gigantesca base de dados, fornecida pelo Ministério da Educação, com informação sobre todos os alunos matriculados no sistema de ensino público ao longo de uma década (2006/2007 a 2016/2017) e atenderam, nomeadamente, a indicadores como a origem socioeconómica (estudantes que recebem apoio da ação social escolar), a naturalidade (aluno ou pai nascidos no estrangeiro) e percurso académico (se já chumbou alguma vez).

Olhando para o que se passa em cada escola, é possível então saber qual a distribuição de alunos carenciados, imigrantes e repetentes por turma num determinado ano letivo e nível de ensino. E assim perceber se cada turma reflete, ou não, uma distribuição equilibrada dos jovens com essas características face ao peso que têm no conjunto daquela comunidade escolar.

Por exemplo, se 15% dos alunos da escola já tiverem chumbado e se na constituição de turmas houver uma distribui­ção semelhante, então a segregação é inexistente. Mas se uma dada turma concentrar 30% ou 40% de repetentes, então isso traduz uma opção clara da escola em segregar estes estudantes.

Analisando a distribuição dos alunos de acordo com os outros dois indicadores — beneficiários da ação social escolar e naturalidade —, a equipa de investigadores, que integra ainda Luís Catela Nunes e Sílvia de Almeida, da Universidade Nova, e Susana Batista, do ISCTE, encontrou níveis de segregação médios mais baixos, na ordem dos 15%. Ou seja, o maior fator de segregação é o percurso académico (alunos com pelo menos uma retenção).

Esta conclusão acentua-se olhando para o ensino secundário. Aí, os valores médios de segregação de repetentes nas escolas duplicam e andam entre os 30% e os 45%. Mas o estudo ressalva que, no caso do secundário, parte deste efeito pode ser explicado pelas opções dos próprios estudantes — no 10º ano escolhem o curso e a escola para onde querem ir —, e não apenas pela forma como cada estabelecimento de ensino organiza as turmas.

LEI OMISSA

Além da identificação do problema, coloca-se a questão de saber se a lei permite este tipo de diferenciação entre alunos e o impacto que essa decisão tem. Os autores lembram que vários estudos apontam para uma correlação entre a exposição a colegas com determinadas características e comportamentos e os resultados académicos individuais. Por exemplo, jovens com desempenhos mais fracos podem melhorar quando integrados em grupos com ótimos alunos, e não juntando-os com outros com más notas.

Mas a lei é relativamente omissa no que respeita à composição das turmas, estabelecendo apenas regras gerais: na constituição das turmas prevalecem “critérios de natureza pedagógica definidos no projeto educativo” da escola e deve ser “respeitada a heterogeneidade das crianças e jovens, podendo o diretor, ouvindo o conselho pedagógico, atender a outros critérios que sejam determinantes para a promoção do sucesso e redução do abandono escolar”.

“O problema é que não são fixadas balizas relativamente a essa heterogeneidade. Ao contrário do que acontece com a dimensão das turmas, que está perfeitamente fixada entre um limite mínimo e máximo de alunos, e as condições em que podem ser alteradas”, lembra João Firmino.

O estudo sobre fenómenos de segregação nas escolas públicas (de fora ficaram apenas os estabelecimentos de ensino dos Açores e da Madeira) permite ainda verificar que estes resultados se têm mantido constantes ao longo dos 11 anos letivos analisados.