Início Importados - Educação Um novo “sistema educativo” em 3 meses – Sara André

Um novo “sistema educativo” em 3 meses – Sara André

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Vivemos momentos confusos, em época de desconfinamento, tendo em conta as informações que nos chegam todos os dias. As medidas de abertura são confusas e mudam todos os dias de acordo com as pressões dos sectores económicos que “agoniam “ perante uma crise mundial sem precedentes. Os governos em todo o mundo sentem dificuldades em manter o equilíbrio entre a proteção da saúde pública e a necessária retoma económica. Tudo seria mais fácil se houvesse, no mínimo, um tratamento eficaz ao vírus mas ainda não há previsões para que tal aconteça. Temos de estar preparados para avanços e recuos à medida em que as situações acontecem e evoluem. Só nos resta ir tentando minimizar os riscos e evitar que a doença volte em força.

Na área da educação, a opinião pública incendiou-se perante a reivindicação do sindicado dos professores no sentido de que esta classe fosse compensada pela utilização dos meios eletrónicos pessoais para preparar e dar as aulas e pelo volume de trabalho que aumentou substancialmente. Em oposição, um jornalista da nossa praça dispara: “Os professores do primeiro ciclo e educadoras que não tiveram trabalho até agora? Vão devolver o salário?”

Ora neste caso, perdoem-me os visados, nenhum tem razão porque vivemos situações excecionais. Se a toda a população foram pedidos sacrifícios e formas de adaptação não deve o sindicato nesta altura de profunda crise fazer uma reinvidação destas. Também a declaração do jornalista revela desconhecimento da realidade. Os educadores e professores do primeiro ciclo continuam a apoiar os nossos filhos. Alguns, por ventura, de forma que não concordamos e muitos outros, a maioria, com um esforço titânico, gravando aulas para introduzir matéria, fazendo planificações com trabalhos e atividades de forma semanal, fazendo acompanhamento por vídeo, corrigindo on line o trabalho dos alunos. Sim … isto é feito no 1º ciclo e até no pré-escolar.

Aos pais a quem foi permitido o teletrabalho para poderem acompanhar os filhos (muitos deles também professores) tiveram que reaprender matéria, viraram também eles professores. Sobre isto gostaria de fazer um alerta: Com o desconfinamento o teletrabalho deixou de ser obrigatório, mantendo-se apenas para quem tem crianças menores de 12 anos. Num agregado onde, por exemplo, o pai está desempregado a mãe deixa de poder recorrer ao teletrabalho para apoiar os filhos, mesmo que seja ela a mais apta, por questões de escolaridade ou até apetência, para esse apoio ( ou vice versa). Em período escolar, e sob “compromisso de honra”, o teletrabalho deveria ser permitido a quem apoia a criança na escola, independentemente do outro progenitor se encontrar em casa. Conheço, infelizmente, situações em que as crianças ficarão sem apoio no período escolar que ainda resta.

Mas o desconfinamento na Educação é matéria complexa pois estamos a falar de crianças, dos nossos filhos. As imagens das crianças a serem forçadas a brincar com distância com educadoras com máscara chocam-nos porque não conseguimos conceber uma criança de idade tão tenra “amarrada” na sua espontaneidade, nos carinhos, nas brincadeiras. A abertura das escolas causa imensas ansiedades aos pais porque a doença é uma ameaça real, mas em muitos casos, senão a maioria, debate-se com a necessidade de voltar a trabalhar e de ter de colocar as crianças num espaço “seguro”.

Os desafios da Secretaria Regional da Educação são crescentes porque, se no início reagimos de forma meritória, todos os dias têm de ser feitas adaptações a uma realidade em constante mutação. Com o evoluir da pandemia não é claro que será seguro as escolas reabrirem em Setembro e a abrirem tudo será diferente.

O número de alunos por turma terá obrigatoriamente de ser reduzido; os materiais de higiene como sabão, álcool em gel terão de ser reforçados nas escolas e a “toalhinha” que servia o dia inteiro para limpar as mãos de centenas de vezes, terá de ser substituída por papel e utilização única; a higienização das casas de banho terão de ser constantes ao longo do dia; a higiene alimentar reforçada. O investimento será grande e teremos de nos adaptarmos nas condutas individuais.

Por isso é necessário criar planos, não um, mas muitos porque nada é linear. Novas metodologias de ensino, materiais, toda a organização escolar terá de ser equacionada nos próximos 3 meses o que obriga a um engenho extraordinário. Se para uma família é difícil fazer adaptações imaginem o que é construir um novo “sistema educativo” em 3 meses dotando os vários intervenientes das condições necessárias. São milhares de professores, funcionários, crianças, agregados familiares com condições desiguais a ter em conta. Acredito que individualmente, porque também somos solução, mais que andar sempre a criticar é importante contribuirmos com sugestões. Perceber que todos teremos de fazer sacrifícios e de ter uma dose extra de tolerância porque o mais importante é a salvaguarda das nossas crianças.

P.S– O caso Valentina deixa mais uma vez a nu as fragilidades de um sistema que supostamente deveria proteger as crianças. Quantas vidas terão de se perder porque temos uma lei limitadora na intervenção ou porque as sinalizações e o acompanhamento dos casos não têm a devida atenção ou ainda a celeridade necessária? Onde estão os políticos nestas matérias?