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Proteção de cuidadores de risco COVID-19 e inclusão de docentes de risco COVID-19 no sistema de ensino à distância durante a pandemia

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Perante uma situação de saúde pública que demonstra ser de gestão muito complexa, particularmente antes do desenvolvimento de uma vacina ou processo terapêutico eficaz, consideramos que as medidas de contingência — COVID-19 — preparadas para a reabertura das escolas são desajustadas, inflexíveis e pouco inclusivas face às diversas realidades no nosso país.

Entendemos o raciocínio por trás da necessidade de um sistema de ensino universal, particularmente na defesa de crianças em risco social / sinalizadas pela CPCJ, e como equilibrador sócio-económico. Mas sabemos também que nem todas as situações são iguais, e que enquanto há famílias homogeneamente saudáveis (sem quadro clínico de risco face à COVID-19) e / ou que poderão/estarão disponíveis a assumir o risco da letalidade e sequelas, que neste momento se conhecem da doença, outras há que terão um ou mais membros familiares, com comorbilidades, que ficarão expostos a uma situação de risco acrescido, face à COVID-19, situação que poderá tornar-se legitimamente insustentável do ponto de vista psicológico caso sejam desconsiderados a ter lugar / direito de decisão sobre a sua ação no espaço público, num contexto em que a sua condição de saúde é cientificamente reconhecida como sendo uma condição que oferece maior vulnerabilidade face à atual ameaça de saúde. Por outro lado, haverá famílias para quem ter crianças em casa é incomportável perante obrigações que implicam a sobrevivência económica, mas outras terão membros disponíveis para acompanhar as crianças / jovens nos seus estudos escolares, em regime de ensino remoto ou através de Ensino à Distância (doravante designado por E@D) .

No enquadramento atual de população de risco COVID-19 incluem-se, para além de pessoas com idade avançada (65 anos ou mais), pessoas, em qualquer idade com doenças crónicas, como a doença cardíaca, doença pulmonar, doença oncológica, hipertensão arterial, diabetes, entre outros, nomeadamente condições que afetam o sistema imunitário, como é o caso de tratamentos de quimioterapia, doentes em tratamento de doenças autoimunes (como a artrite reumatoide, lúpus, esclerose múltipla, algumas doenças inflamatórias do intestino), infetados com o vírus da imunodeficiência humana transplantado.

Perante a situação atual, atendendo ao principio da inclusão e do respeito pela diversidade e ao direito cívico da proteção da saúde e da vida dos cidadãos bem como ao bem-estar psicológico, propomos a existência de um regime misto, em que Encarregado/a (s) de Educação / cuidador/a (s) possam decidir sobre a possibilidade de ou os seus educandos estarem fisicamente em sala de aula ou acompanharem as aulas, em tempo real, através de acesso remoto (com a colocação de um dispositivo audiovisual, ou seja, uma câmara ligada à rede dentro da sala de aula apontada para o local pertinente à aprendizagem) em função do seu perfil específico e da sua capacidade de acompanhamento ao respetivo educando, ou da situação clínica do/a Encarregado/a de Educação / cuidador/a, além da situação clínica da própria criança. Assim como a possibilidade de um/a docente de risco poder continuar no ativo através de E@D.

A obsessão em abrir as escolas imperativamente para todos, praticamente em simultâneo, esquece quem se encontra nas segundas categorias dos casos já aqui referidos — Enc. de Ed. / cuidadores de risco — , e é de notar que estas tendem a sobrepor-se (famílias em que alguém tem possibilidade e disponibilidade para acompanhar o/a (s) seu/sua (s) educando/a (s) em regime de ensino remoto / E@D serão frequentemente famílias com membros de risco — como é, por exemplo, o caso de avós ou de cidadãos em situação de reforma antecipada).

O impacto psicológico da hospitalização prolongada ou da morte precoce dos Enc. de Educ. / cuidadores de risco COVID-19 bem como a tensão a que as crianças/jovens que dependem destes Enc. de Educ. / cuidadores podem estar sujeitas/os, deve também ser equacionado com o resto das preocupações relativas ao bem-estar, saúde mental/psicológica, das crianças e jovens.

Neste sentido consideramos que permitir o ensino em regime de acesso remoto / E@D a alunos, através de dispositivos audiovisuais (câmaras ligadas à rede) permitirá colmatar várias lacunas no que é proposto:

1) Proteger os mais vulneráveis, não apenas as crianças e jovens de risco acrescido perante o SARS-CoV-2 como também quem delas cuida (Enc. de Educ. / cuidadores de risco acrescido face à COVID-19), algo que parece criminoso que não esteja a ser considerado;

2) Criar mais espaço físico em sala de aula para que as medidas de segurança propostas se tornem exequíveis;

3) Encontrar uma solução de inclusão para os docentes clinicamente mais vulneráveis, que poderiam, sem necessidade de recorrer à baixa ou a declaração médica, optar por funcionar como docentes em ensino remoto / E@D, quer seja lecionando para alunos em regime de ensino remoto / E@D quer seja lecionando para alunos em ensino presencial ou como auxiliares de apoio a outros docentes e/ou a alunos, tratando de aspetos relacionados com avaliação diária, dúvidas de alunos que estão remotamente a assistir às aulas ou outras atividades escolares que se entendam ser necessárias, e sempre durante o seu horário de trabalho, por meios síncronos, isto é, em tempo real;

4) Permitir que as previsíveis situações em que alunos entrem em quarentena (por infeção, caso suspeito, proximidade a caso conhecido ou outra razão) tenham já uma solução para o acompanhamento das aulas, e não resultem num absentismo massivo ao longo do ano escolar, assim como permitir que os docentes que entrem na mesma situação possam continuar a lecionar fazendo uso da tecnologia (ex.: videoconferência) para os alunos que se encontram fisicamente presentes em sala de aula, no respetivo recinto/estabelecimento de ensino;

5) Agilizar a possibilidade de uma transição para regime totalmente remoto, caso a situação sanitária o venha a obrigar, acontecimento relativamente ao qual não podemos por a cabeça na areia, e que irá sempre implicar uma transição dificílima, tão mais complicada quanto mais insistirmos que não vale a pena prever mais nada que não seja praticamente todos em simultâneo na escola.

Os entraves a este tipo de solução não constituem uma real impossibilidade, apenas uma tirania ideológica do igual para todos. A ver:

1) esta proposta não implica que pais / Enc. de Educ. que tenham de trabalhar o deixem de fazer ou que haja qualquer encargo financeiro do Estado (subsídios, etc.). Apenas pede que quem tenha disponibilidade ou apoio a esse nível (ex.: avós) e sinta necessidade de tomar este tipo de decisão tenha direito de o fazer;

2) esta proposta não implica que crianças sinalizadas pelos serviços sociais / CPCJ possam não ser acompanhadas na escola, presencialmente, bem como crianças cuja alimentação praticamente depende dos refeitórios escolares. Situações que já estavam a ser salvaguardadas e precisam de continuar a sê-lo. Apenas se pede que as crianças até então devidamente apoiadas pelo respetivos pais/Encarregados de Educação possam continuar a sê-lo da melhor forma;

3) um dos motivos mais fortes para a reabertura geral das escolas que tem sido colocado em cima da mesa é a questão do impacto psicológico da não-socialização e do constrangimento no desenvolvimento de competências adquiridas em trabalho de equipa. Sem querer de todo minimizar o papel da escola nesse sentido, relembro que o trabalho em equipa não está limitado à presença física (é viável em regime de ensino virtual síncrono, desde que sejam criados grupos de trabalho para esse efeito) e que a socialização não é exclusiva ao contexto escolar. As medidas necessárias preconizadas, para travar atualmente a propagação do SARS-CoV-2, estão longe de ser isentas de impacto psicológico. Provavelmente com o devido apoio de adultos competentes, atentos às necessidades das crianças e dos jovens, particularmente atentos às necessidades das crianças mais jovens, estas crianças e jovens serão capazes de ultrapassar a situação de forma positiva, mas na realidade só daqui a uns anos poderemos aferir o resultado de crianças constantemente a serem afastadas umas das outras e de atividades de risco, durante longos períodos de tempo usando máscara, possivelmente criando uma realidade deturpada do que é a socialização, pelo menos conforme a entendemos hoje. Não há soluções perfeitas perante o que se avizinha, pelo que é imperioso flexibilizar e ser empático com a existência da diversidade de situações / pessoas e para com a legitima subjetividade da vivência concreta sentida por cada um/a de nós em relação a este assunto;

4) um ano letivo híbrido poderia trazer complicações, no sentido em que um/a professor/a que está em sala de aulas e ao mesmo tempo tem de dar atenção a aluno/a (s) que assistem remotamente às aulas encontra-se perante um pedido de duplicação de atenção que pode ser particularmente complicado. Não se pede aqui esse tipo de solução, apenas a instalação ou a utilização de dispositivos já existentes (ex.: um computador ou um tablet com câmara ligado à rede), para difusão do que acontece em sala de aulas (salvaguardado a proteção da imagem dos alunos que lá se encontram, naturalmente), e a possibilidade de os alunos, que estão em participação remota, enviarem os exercícios através da plataforma, de forma síncrona, em tempo real. E/ou a criação de grupos/turmas de alunos em regime de E@D, conduzidas por doentes que se encontrem nesse mesmo regime de ensino. Os pais / Encarregados de Educação, que tendo optado por uma destas modalidades de ensino (remoto/ E@D), tratarão de questões como dúvidas e disciplina, tal como o fizeram durante o último período letivo de 2019/2020;

5) neste sentido, não se propõe aqui soluções em que os professores tenham de ficar em frente ao computador pela noite dentro a responder a e-mails; o/a (s) aluno/a (s) em regime de ensino remoto / E@D são tratado/a (s) como aluno/a (s) fisicamente presenciais (distância física não significa distância empática ou falta de empatia, assim como a proximidade física não garante qualquer empatia ou competência pedagógica. A empatia ocorre independentemente da distância/proximidade física), sem modelos de ensino assíncrono e a responsabilidade de aferir o ritmo de trabalho pertencendo aos Encarregados de Educação e eventualmente a docentes que sejam designados pela escola para docência em regime de E@D / remoto, dado o seu perfil clínico de vulnerabilidade;

6) Não se propõe aqui que as avaliações sejam realizadas remotamente, os momentos de testes/exames deverão ser presenciais, caso a situação sanitária o permita. É completamente diferente gerir a segurança de um evento esporádico quando comparado com uma exposição diária. Entendemos que o sistema de avaliações seguido no último período letivo, 2019/2020, trouxe constragimentos que devem ser evitados.

Não está aqui implícita a ilusão sobre a existência de soluções perfeitas ou de “risco zero” apenas se pretende minimizar riscos e futuros prejuízos de forma equilibrada, evitando a necessidade de voltarmos a um estado de paragem quase total.

Uma solução, do igual para todos, está longe de ser inclusiva. É precisamente na procura de uma visão ampla e empática e no equilíbrio entre as diversas vertentes do panorama atual, que podemos encontrar soluções que possam ir ao encontro das necessidades de todos, sem excluir ninguém.

Tem-se vindo a assistir a uma polarização da sociedade em que imposições (mesmo as que se têm por base a salvaguarda de algo básico, como a saúde e a vida) são encaradas como atentados à liberdade. A perspetiva afunilada da uniformização, do igual para todos quando todos não somos iguais, acentua a polarização e é exatamente na liberdade de escolha, balizada pela razoabilidade e pelo respeito mútuo (nomeadamente o respeito pela saúde e pela vida dos que nos rodeiam), que se pode encontrar uma perspetiva aberta em que cada um consegue encontrar o seu caminho sem o impôr aos outros.

Não devíamos pautar-nos por ideologias, que em nome de um questionável bem-comum impõem à sociedade as suas convicções, com uma aplicação cega ou restrita e de consequências potencialmente atrozes.

A decisão de mandar ou não os filhos para a escola é atualmente de natureza extremamente privada e pessoal. Aos pais / Encarregados de Educação deve ser reconhecida a capacidade para avaliarem o que é melhor para o/(s) seu/sua(s) filho/a (s) / educando/a(s). Não disponibilizar esta opção aos pais / Enc. de Educ. é pôr em causa a sua autonomia e simultaneamente colocar em risco o bem-estar da própria criança / jovem.

Não entender que a vulnerabilidade de um/a docente a uma ameaça de saúde não significa incapacidade para dar seguimento, de forma competente, ao ensino, mesmo que seja remotamente / E@D, é não entender verdadeiramente o que são critérios de qualidade a este nível. A qualidade do ser humano, no seu trabalho, enquanto docente, sobrepõe-se ao modelo formal; mais do que a *forma* importa o *modo como* atua com os seus alunos. Assim como a empatia e a competência não são garantidas pela proximidade física, a distância geográfica está longe de impedir que se faça um bom trabalho a este nível, particularmente quando temos todos os meios ao nosso alcance.

Vivemos tempos sem precedentes na história da humanidade e as incertezas são ainda excessivas, à sociedade civil deve ser dada liberdade de prosseguir com opções responsáveis.

Susana Pereira
(mãe e mestre em psicologia da saúde)

  1. Actualização #1 Despacho n.º 8553-A/2020

    Criado em sábado, 12 de Setembro de 2020

    Com a publicação, a 04 de setembro de 2020, do Despacho n.º 8553-A/2020 publicado no Diário da República com n.º 173/2020, 2º Suplemento, Série II de 2020-09-04, emitido pelos Gabinetes do Secretário de Estado Adjunto e da Educação e da Secretária de Estado da Educação, passou a ser possível proteger a saúde física de crianças e jovens de risco COVID-19, mediante aval / atestado médico emitido pelas respetivas autoridades de saúde, conforme se poderá verificar nas alíneas d) e e) do referido despacho. Por esse motivo o título da petição foi alterado, deixando de constar “Proteção de crianças, familiares e docentes de risco face à COVID-19” para passar a intitular-se por “Proteção de cuidadores de risco COVID-19 e inclusão de docentes de risco COVID-19 no sistema de ensino à distância durante a pandemia”, uma vez que estas situações continuam a não estar salvaguardadas e por entender que o impacto psicológico da hospitalização ou da morte precoce dos Encarregados de Educação / cuidadores de risco COVID-19 deveria também ser equacionado com o resto das preocupações relativas ao bem-estar / saúde mental/psicológica das crianças e dos jovens, assim como a pertinência de dar uma alternativa melhor aos docentes de risco COVID-19, que não seja limitada a um atestado ou declaração médica, quando estes docentes poderiam ter um papel ativo dando um contributo positivo no ensino também em regime remoto / E@D, quer ao serviço das crianças e dos jovens que recorram ao ensino remoto / E@D, quer ao serviço das crianças e dos jovens que se encontrem em regime presencial, nos respetivos estabelecimentos de ensino.