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Professores na pandemia: profissionais da linha da frente

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À medida que os dias de confinamento passam e se avolumam os descontentamentos de professores, pais e alunos com o ensino a distância, torna-se evidente quão imprescindível é o regresso à normalidade nas escolas. É cada vez mais transparente que ensinar (e aprender) não é afinal tão passível de ser transferido para uma situação de trabalho remoto, que a Escola é muito mais do que um espaço onde se aprendem matérias novas e – e talvez a maior conquista indireta da pandemia – que a profissão de professor pertence afinal à linha da frente.

Esta visão, infelizmente, foi menosprezada nos últimos meses, tendo as atenções recaído inteiramente, ou sobre as profissões que lidam diretamente com a crise sanitária, desempenhadas maioritariamente por profissionais de saúde, ou sobre as que garantem que a engrenagem nacional não para, executadas por profissionais de setores como a distribuição e produção alimentar, a manutenção e desenvolvimento do digital ou a logística. Ora, também a educação não pode nem deve parar, nem sequer afrouxar.

Aprender é cada vez mais uma necessidade. A incerteza que se instalou reclama o consolo do conhecimento e o mundo tecnologicamente complexo e avançado que desenvolvemos não pode dispensar uma das suas mais notáveis conquistas – o direito à Educação. Ensinar é assim hoje um imperativo social e moral. Enquanto coletividade, é devido a todos aqueles que estão em idade escolar e é imprescindível para promover a igualdade e o progresso económico e social em geral. É por isso urgente devolver a normalidade ao ensino.

Esta equação requer boas escolas, o que é sinónimo de bons professores, motivados e realizados no desempenho das suas tarefas, capazes de interiorizarem o valor e alcance social da sua profissão.

Na discussão de até quando prolongar o encerramento das escolas, não são muitas as vozes desta classe profissional que clamem a urgência de regressar ao regime presencial. Isto poderá parecer surpreendente vindo daqueles que, por um lado, são quem melhor sabe quão importante é o contacto em sala de aula e, por outro, conseguem antecipar o ónus que terão que suportar no futuro para corrigir os resultados da presente interrupção.

É muito provavelmente o resultado de uma relação nem sempre pacífica entre professores e a opinião pública e a sociedade civil em geral, e sobretudo entre professores e os poderes públicos, a quem caberia, em princípio, deter o discernimento indispensável à boa gestão desta relação. Tudo isto tem contribuído para algum desânimo e até desinteresse dos professores pela nobre função social que desempenham.

Num estudo da OCDE, 90% dos professores inquiridos diziam-se satisfeitos com o seu trabalho, não mostrando arrependimento pela escolha profissional, enquanto apenas 26% consideravam ter o reconhecimento da sociedade. Entre a amostra portuguesa, somente 9% responderam considerar-se socialmente reconhecidos, proporção esta que terá registado um decréscimo entre 2013 e 2018 (TALIS, 2018). A forma como uma carreira é percecionada pela sociedade contribui liminarmente para a satisfação dos seus profissionais e repercute-se na sua qualidade.

A análise de dados para o caso português sugere a necessidade de infletir a degradação da perceção que este grupo profissional tem sobre a sua utilidade social para passar a atribuir-lhe o reconhecimento estratégico que lhe é devido.

O país precisa de bons professores, de elevado desempenho profissional e motivados, como precisa destas mesmas características nos seus profissionais de saúde. Os dois grupos desempenham uma função social insubstituível. Médicos e enfermeiros têm sido comparados a missionários, próximos de militares num campo de batalha, capazes de resistir na frente do combate contra a Covid-19. Também o professor tem uma missão a desempenhar em tempos adversos – continuar a educar e a formar.

Os responsáveis políticos têm que encontrar formas de transmitir esta dupla mensagem aos professores e garantir que estes serão os primeiros a exigir o regresso às escolas, o seu campo de batalha primordial. Fazê-lo poderá passar, por exemplo, por assegurar que este grupo profissional será prioritário no plano de vacinação nacional e que as comunidades escolares serão objeto de testagens regulares e em massa. São escolhas de políticas públicas que importa assegurar.

Ser professor é exercer uma profissão de elevado impacto social. Compete à sociedade como um todo, a começar pelos governantes, recompensar quem a pratica com a dignificação social adequada. Ensinar é uma missão que se faz com gosto e por vocação. Cumpre aos professores exigir à sociedade o reconhecimento que lhes é devido e manter-se à altura daquilo que se exige que sejam – profissionais de primeira linha.

Jornal Económico