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O que é preciso para reabrir as creches sem absurdos – Joana Mortágua

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Não há muitos argumentos para contestar a necessidade de reabertura das creches. Se queremos uma retoma controlada da atividade económica, é preciso que os trabalhadores possam sair de casa. E mesmo aqueles que estão em teletrabalho não aguentarão para sempre a partilha impossível de duas tarefas a tempo inteiro.

Mas isso não pode ser feito de qualquer maneira – as creches não são depósitos de crianças. A primeira orientação da DGS/Segurança Social sobre as regras a adotar, ao querer imitar as limitações ao comportamento dos adultos, estava contaminada pelo absurdo. As regras de reabertura das creches devem adaptar-se às necessidades das crianças numa fase fundamental do seu desenvolvimento, essencial para a socialização, para a identificação precoce de dificuldades e para a intervenção pedagógica das educadoras e educadores.

Tal como no caso das instituições que recebem pessoas com deficiência, as creches terão de ter regras sanitárias adaptadas à especificidade das suas atividades, e isso não passa por isolar e privar de contacto crianças com menos de três anos. Sabendo isto, é preciso procurar soluções.

A experiência internacional de reabertura de creches privilegia o desdobramento de grupos de crianças por várias salas e a utilização de espaços exteriores. São medidas sensatas que terão de fazer parte do “novo normal” enquanto a pandemia não for erradicada pela generalização da vacina.

A própria DGS/Segurança Social acabou por recuar perante esta evidência e, na orientação mais recente, publicada ontem, já refere a necessidade de “garantir uma redução do número de crianças por sala de forma que, na maior parte das atividades, seja maximizado o distanciamento entre as mesmas, sem comprometer o normal funcionamento das atividades lúdico-pedagógicas”.

Mas será isso possível em Portugal? A inexistência de uma rede pública de creches, gratuita e universal, abandonou as famílias às regras do mercado, e o mercado abandona quem está mais vulnerável. Além das mensalidades mais caras do que as propinas da universidade, há um problema de vagas, que, aliás, têm vindo a cair desde 2015. Mesmo com as respostas criadas em instituições particulares de solidariedade social e subsidiadas pelo Estado, não há oferta suficiente para as crianças em idade de frequentar a creche, quanto mais para acomodar o desdobramento de salas para diminuir o risco de contágio.

O Governo pode pedir a redução de crianças por sala, mas não determinou a lotação máxima e não resolveu o problema da falta de espaço e de recursos humanos. Se lavar as mãos, como aconteceu com o pagamento das mensalidades, o mercado só vai aprofundar as desigualdades sociais que já existem no acesso das crianças às creches.

O risco é o de que a falta de vagas leve a uma nova seleção e fiquem para trás as famílias com menores rendimentos. O prejuízo é duplo. Para as crianças, que são as que mais precisam de acompanhamento sociopedagógico de qualidade. E para os pais, que em geral têm profissões menos adaptáveis a teletrabalho e salários que não chegam para pagar a amas ou outras soluções.

Em resumo, reabrir as creches é essencial. Mas a covid-19 não desaparece só porque o Governo decidiu o regresso total às creches em junho. O que é preciso para reabrir as creches? Esquecer os absurdos. Proteger os trabalhadores e garantir mais recursos humanos. Reconhecer que vai haver falta de oferta e que é preciso regular com mão de ferro o acesso às vagas existentes. Manter o apoio financeiro aos pais que têm de ficar em casa com as crianças. E, enquanto isso, atacar o problema de fundo criando mais oferta através de uma rede pública de creches.

 

Deputada do Bloco de Esquerda

Fonte: Ionline

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