Início Educação O ano letivo em cima do joelho? – André Julião

O ano letivo em cima do joelho? – André Julião

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O novo ano letivo levou milhares de alunos às escolas, acabando, nalguns casos, com mais de seis meses de isolamento social, um fenómeno inédito e que ainda ninguém sabe muito bem que consequências pode trazer para o futuro destas crianças e jovens, já apelidadas de geração Covid-19. O regresso presencial é uma excelente notícia. É na escola que as aulas devem decorrer e é na escola que alunos, professores e funcionários devem estar e conviver.

Importa destacar o papel importantíssimo que as várias comunidades escolares de norte a sul do país – alunos, encarregados de educação, professores, funcionários não docentes e diretores – tiveram neste regresso. Fizeram das fraquezas forças e, na crónica falta de recursos e meios, recorreram à imaginação, ao engenho e à criatividade para encontrar soluções, nalguns casos, bem difíceis de congeminar.

Estão também de parabéns algumas autarquias que, substituindo-se ao Governo, encontraram meios e alternativas para colmatar as muitas falhas existentes nos seus agrupamentos. Neste regresso, a nota negativa vai apenas para um dos intervenientes, e logo para o que mais responsabilidades tem em todo o processo: o Ministério da Educação.

Bem pode António Costa fazer voz grossa aos portugueses e apelar à responsabilidade individual de cada, ziguezagueando entre o “milagre português” e o modelo sueco. A verdade é que um Governo é eleito para governar e é a Costa e aos seus ministros que os portugueses e as portuguesas devem pedir explicações.

À imagem do que já tem vindo a habituar a comunidade educativa, o Ministro da Educação (mais uma vez) descartou-se das responsabilidades que tem por inerência do cargo, passando para as escolas e agrupamentos aquilo que o povo normalmente designa por “batata quente”. A autonomia é excelente, mas tem que haver um tronco comum de diretrizes nacionais, que permita saber o que acontece perante o cenário A, B ou C.

As escolas fizeram tudo o que puderam, num extraordinário trabalho conjunto entre todos os intervenientes da comunidade escolar. Mas, ninguém faz omeletes sem ovos.

E os ovos, esses, o Governo deixou no cesto, em vez de os por todos no lume quando era mais necessário. Foi assim com a contratação de professores, que permitiria o desdobramento de turmas, acabando com 28, 30 e mais alunos numa mesma sala mal ventilada.

Foi assim com a contratação de auxiliares de ação educativa, essenciais para tarefas como a separação das entradas nas escolas e que evitariam a acumulação de alunos e encarregados de educação nos portões, como se viu um pouco por todo o país, mal caíram as primeiras gotas de chuva.

E pior, levou até ao encerramento de alguns estabelecimentos de ensino. Fará sentido que um funcionário com Covid-19 leve ao encerramento de toda uma escola, deixando centenas de alunos em casa? Tudo porque não existe outro funcionário para o seu lugar. Lamentável.

Foi assim também com a atribuição de computadores e ligação à Internet a todas as escolas e alunos. Uma medida anunciada inicialmente como universal, que, entretanto, já passou apenas para os alunos com escalão e agora não se sabe muito bem se ou quando será mesmo aplicada. Primeiro anuncia-se, depois logo se vê, parece ser a máxima lá para os lados do Ministério da Educação. Costa, que chamou a si o anúncio, mal, mais uma vez.

Mal Tiago Brandão Rodrigues, pior ainda António Costa

Uma preparação eficaz por parte do Ministério da Educação poderia ter permitido, tal como acontece em cidades como Barcelona ou Copenhaga, que os alunos pudessem ter aulas fora das suas salas habituais, aprendendo em bibliotecas, auditórios municipais ou até estádios de futebol.

Ou, nos casos mais complexos de falta de espaço, no mínimo, instalar alguns contentores que permitissem turmas mais pequenas, mantendo o distanciamento físico. Mas, para isso, o Governo teria de ter tido uma estratégia afinada com as autarquias. O que não aconteceu. Foi pena.

Mas até nas situações que supostamente estariam previstas, existem falhas clamorosas: horários que não promovem o distanciamento social, entradas e saídas feitas pelo mesmo local, medidas que limitam a utilização dos refeitórios, obrigando alunos a comer na rua, alunos forçados a almoçar dentro da sala de aula.

Até a aglomeração de encarregados de educação à porta das escolas poderia ter sido melhor gerida com a ajuda da Escola Segura, não fosse o enorme desinvestimento que este programa tem conhecido nos últimos anos, onde, nalgumas freguesias, os agentes não têm sequer uma viatura para se deslocar de escola em escola, andando a pé ou de transportes públicos, quando existem.

Aquele que poderia ter sido o ano letivo melhor preparado de sempre, dado o tempo disponível e a experiência acumulada da primeira vaga, foi iniciado sem estratégia nem planeamento, deixando às escolas o ónus de criar estratégias, soluções e planos B, sem rede, sem recursos e sem apoio.

Sai mal Tiago Brandão Rodrigues que, uma vez mais, erra por completo os timings de intervenção, à imagem da defesa tardia e a destempo da disciplina de Educação e Cidadania. Sai pior ainda António Costa, que, depois de anúncios pomposos de medidas aparentemente transformadoras, deixa a montanha parir um rato e abandona à sua sorte milhares de alunos, professores, funcionários e grande parte das famílias portuguesas.

Esquerda.net