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“Nunca foi tão oportuno revisitarmos os pressupostos dos Decretos-Lei nº 55 e 54” – Ana Cohen

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O futuro da sociedade e da educação está, de alguma forma, condicionado pela pandemia mesmo que esta não se venha a replicar. Neste novo tempo, ficou claro para todos a imprevisibilidade da vida, a finitude do garantido e do funcionamento das instituições tal como as conhecemos. Sabemos, hoje, aquilo que desconhecíamos há três meses: qualquer pandemia, alteração climática ou outra situação que provoque uma modificação massiva no ecossistema poderá impactar o mundo, a sociedade e a escola.

É nas alturas de indefinição, de tempos de incerteza, que a sociedade se vira para a escola, para o poder da educação de transformação social que antecipa, na esperança de que a escola forme cidadãos ativos, empreendedores, responsáveis, preparados para (re)construir o seu projeto de vida – quer individual, quer comunitário. E invariavelmente, nestas situações, a escola, no global, e o professor, em particular, diz sempre: – presente!

A retórica multiplica-se.  Proliferam os discursos reivindicativos de certezas, sendo as questões colocadas recorrentes: Aulas presenciais ou online ou b-learning? Quantos alunos por turma? Que procedimentos? Todavia, reflete-se menos acerca das questões pedagógicas a montante, às quais pretendemos dar relevo, neste texto.

Nunca foi tão oportuno revisitarmos os pressupostos dos Decretos-Lei nº 55 e 54, tendo como horizonte a flexibilidade e a adequação da resposta educativa ao percurso singular de cada aluno. Mais do que nunca, importa assegurar que os alunos sejam capazes, de forma autónoma, de aprender ao longo da vida e de autorregularem essas aprendizagens, independentemente do contexto em que se encontram: em casa, na biblioteca ou na escola, com maior ou menor supervisão. É, também, neste âmbito que o desenvolvimento de competências socioemocionais ganha relevo (autoconhecimento, resiliência, autonomia, autoestima, empatia, colaboração, comunicação, capacidade de solucionar situações complexas, ética, espírito crítico e criatividade) a par do inevitável e urgente apetrechamento das escolas e das famílias com infraestruturas tecnológicas e equipamentos informáticos.

Mas qual o papel dos stakeholders externos, leia-se comunidade, neste processo? Como os podemos motivar para estes desafios e apelar à sua participação na construção do mundo e no processo de liderança de pessoas, em cooperação e convivência com respeito pela visão humanista da sociedade? Como trazer à comunhão destes ideais e valores a comunidade educativa? Como assegurar que, independentemente das regras de convivência fixadas face às contingências do momento, o distanciamento dos alunos e dos professores seja apenas físico e não social?

Uma das formas será certamente pela articulação do conhecimento epistémico com o conhecimento interdisciplinar e a territorialização do currículo, leia-se currículo local, potenciado pela apresentação de desafios, pela procura de resposta a problemas locais e pela deslocalização da aprendizagem para fora das quatro paredes (para onde quer que a curiosidade, o espírito crítico e a imaginação dos alunos possam ser estimulados), num trabalho de coagência, em rede, através do estabelecimento de parcerias com Centros de Ciência Viva, Centros Tecnológicos, Instituições de Ensino Superior e associações diversas, nomeadamente de cariz cultural e/ou artístico.

Por outro lado, se queremos desenvolver a capacidade de resolução de problemas complexos – que se afiguram cada vez mais complexos –  temos que integrar no currículo questões como a identidade, a segurança (pessoal e online), a sustentabilidade, a interculturalidade, a inovação, a criatividade e o bem-estar individual e coletivo, local, regional, nacional, europeu, mundial e planetário. Devemos começar pelo espaço escola, comunidade educativa, favorecedor da fruição da aprendizagem e da produção de conhecimento. Por sua vez, esse bem-estar individual e coletivo, associado à valorização do papel de todos e de cada um, no respeito pela diversidade; à expressão, à gestão de emoções e à construção de relações positivas e gratificantes, assume-se enquanto alicerce da participação ativa e de uma cidadania esclarecida que se pretende desenvolver nas nossas crianças e alunos. Desta forma, assegura-se que cada aluno é um potencial transformador e produtor de conhecimento, isto é a formalização do papel do aluno enquanto agência.

A assunção do papel das escolas, muito para além da aprendizagem de conteúdos, foi também uma das aprendizagens deste período de isolamento. A sociedade reconheceu a qualidade do trabalho global que as escolas desenvolvem, tendo, a sua maioria, convocado uma Whole School Approach como resposta para algumas das dificuldades sentidas.

A Escola de setembro não será a mesma de março, sendo que continuará a ser um espaço de aprendizagem, de cidadania, com o mesmo sentido de pertença, na certeza de que todos, em conjunto, somos ímpares e vamos continuar a fazer a diferença.

Fonte: Observador