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Notas Sobre Esta Coisa Dos Rankings Num Acalorado Dia De Domingo

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1. Os rankings produzidos pelas empresas de comunicação social são parte integrante do debate entre duas visões bem distintas de mundo, de sociedade e de educação. Há quem considere que as desigualdades são uma inevitabilidade, quiçá algo que é mesmo necessário, e há quem, pelo contrário, as considere um produto da organização social, económica e política das sociedades. Há, por isso, quem procure encontrar meios para legitimar essas mesmas desigualdades e há quem procure encontrar meios para que o sistema escolar, por exemplo, seja efetivamente democrático. Um sistema em que todos têm reais oportunidades para aprender. Por isso custa muito sabermos, através de investigações publicadas, que um número de escolas públicas utilizam autênticas estratégias de mercado em função dos rankings. E isso pode passar, por exemplo, pela constituição de turmas e pelo convite a alunos que não dão certas garantias para anularem as matrículas.
2. Os exames, muito associados ao acesso ao ensino superior são a “matéria” próxima dos rankings. Se não fossem os exames, a gente que promove os rankings arranjaria certamente outros meios para os produzir. Isto não significa que eu, presentemente, concorde com estes exames e com este acesso ao ensino superior pois, na minha opinião, têm muito mais desvantagens do que vantagens. E estou bem consciente que não é fácil “compensar” ou “moderar” as suas múltiplas e comprovadas desvantagens. Na presente calamidade, porém, talvez tenhamos perdido uma oportunidade para encontrar uma alternativa. Mas, como se verificou, os exames revelaram ter muito mais força do que se imaginava e o vírus fechou toda a gente em casa, fechou aeroportos, estações de comboio, restaurantes e hotéis e tudo, tudo o que imaginar se pode, mas não fechou os exames e abriu uma brecha nas escolas para que eles se pudessem realizar. Fraco vírus perante os possantes exames, como tenho dito, brincando um pouco, aos meus amigos. É caso para dizer que nem os potentados económicos do mundo (e.g., companhias aéreas, cadeias hoteleiras internacionais, indústrias em geral) foram mais fortes do que os exames. Fraco vírus, este corona.
3. Acho muito bem que, ao nível político, os rankings sejam fortemente questionados e que sejam evidenciadas as suas múltiplas fragilidades e a sua falta de sentido ao pretenderem, através de uma dada posição numa escala, resultante de um agregado de classificações, discernir quais são as “escolas boas” e quais são as “escolas suficientes ou más”. É a ascensão do simplismo, na verdade da anedota, para caraterizar fenómenos e realidades sociais complexas não redutíveis a um número. Não me estenderei por aqui pois o Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Professor João Costa, com a sua habitual clareza e assertividade, já disse tudo o que poderia ser dito de relevante a este respeito. E subscrevo inteiramente o essencial do conteúdo do seu artigo no Público. Mas, todos sabemos, a luta por este lado não se esgotará nunca.
4. Uma forma de combater esta obsessão pelos rankings pode ser começar por combater a obsessão pelas classificações largamente preponderante no sistema escolar. Enquanto não se conseguir vencer esta dura e muito difícil batalha para que as pessoas distingam claramente entre avaliação e classificação, os rankings continuarão a fazer todo o sentido para muitos professores, diretores, pais e sociedade em geral. É preciso aprendermos, como vem sendo demonstrado de forma sistemática e consistente nos últimos 40 anos, que a avaliação deve acompanhar o ensino e a aprendizagem e, na maior parte dos casos, deve ser utilizada única e simplesmente, para distribuir feedback que oriente os esforços de aprendizagem dos alunos. Ou seja, no essencial, devemos e podemos avaliar sistematicamente e de forma tendencialmente contínua, para ajudar os alunos a aprender mais e melhor, com mais compreensão. Para classificar, que é um mero procedimento algorítmico, existem as chamadas avaliações sumativas com fins classificatórios que, pontualmente, nos ajudam a recolher informações para esse fim. Ainda assim, após tantos anos de investigação, persiste a ideia de que as avaliações formativas também são convertíveis em números, em classificações e, quiçá, em rankings… Pretender que a informação decorrente das avaliações formativas seja mobilizada para atribuir classificações, é trabalhar com afinco para que tudo fique na mesma. Ou seja, para o primado da classificação e, com ele, das perguntas que apelam à reprodução, à imitação, à cantilena mais ou menos ridícula. É isto minhas amigas e amigos. É isto que é preciso compreender para se poder combater os rankings e as ideias que lhe são subjacentes. Para que os rankings venham a ser considerados um subproduto pouco recomendável de uma ideia discriminatória e elitista de educação. Por estas e por outras razões, não me canso de dizer aos/às profissionais com quem tenho tido o privilégio de trabalhar nos últimos tempos que precisamos muito de estudar, de ler, de discutir e de refletir. Mas é sempre bom lembrar que, para se ser um profissional reflexivo, seminal legado de Donald Schön, é preciso ter-se “conteúdo” para refletir e esse só pode decorrer do estudo acerca do conhecimento que tem sido produzido.
5. O circo dos rankings também tem algo de muito interessante. É, em muitos aspetos, semelhante ao circo do futebol. Os meios da comunicação social convidam designados “especialistas” para comentaram os rankings que, num certo sentido, me fazem lembrar a maioria dos “comentadeiros” do futebol. Há dias, em dois canais de televisão, estavam duas dessas personalidades de que não se conhece uma linha, uma única linha de escrita publicado em alguma revista credível. São seres humanos que “acham” coisas. Tal e qual como os “comentadeiros” do futebol. Temos isto em Portugal. Encartados sem carta. E, por vezes, sem qualquer pudor pois criticam quem investiga, quem produz, e cujo trabalho só é divulgado em revistas credíveis depois de apertado escrutínio por pares anónimos. É também por aqui que se vê a nossa, ainda, pobreza. Quanto menos se estuda e quanto menos se investiga, mais “verdades” se vão afirmando…
6. E agora, se me permitem, neste acalorado dia de domingo, vou convidar-vos para ouvirem uma canção, “Copo Vazio”, do genial Chico Buarque de quem sou incondicional fã desde os meus 14 anos de idade. Há pouco tempo, como perceberão. Bom domingo! ????????

In Facebook de Carla Lemos e Sousa