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Falta de professores está à porta

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Entre os 363 professores do Agrupamento de Escolas Morgado Mateus, em Vila Real, apenas dois têm menos de 40 anos. “Não sei o que é ter professores mais jovens na escola. Há já muito tempo que não tenho nenhum”, desabafa a diretora Carla Teixeira. E é entre os educadores de infância e professores do 1º ciclo que o envelhecimento é mais acentuado. “Alguns já são avós e têm a seu cargo turmas de 25 crianças. Ainda que muitos estejam totalmente aptos, obviamente o cansaço é maior e os problemas de saúde surgem com mais frequência, levando a um maior absentismo.”

Atualmente, e segundo um levantamento feito no final do ano passado pela Fenprof, já há escolas sem profissionais abaixo dos 40 anos e com um terço acima dos 60. Nos casos mais extremos, como em Vila Real, a média de idades chega aos 57. E mais cedo do que tarde muitos destes professores vão reformar-se.

Um outro documento, divulgado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no final do ano passado, lançou mais sinais de alarme: ao todo, 52 mil dos 90 mil docentes dos quadros de escola (58%) vão reformar-se até 2030.

Portugal é um dos países da OCDE com a classe docente mais envelhecida

A maioria das disciplinas vai perder, por via das aposentações, metade dos professores. E há grupos de recrutamento, como Português e Estudos Sociais/História (para alunos do 5º e 6º anos), em que as percentagens de aposentação ultrapassam os 80% (ver quadro).

Irá o sistema superar tantas saídas? O facto de haver ainda cerca de 20 mil candidatos que não conseguem vaga numa escola no início do ano letivo pode “resolver o problema durante algum tempo, mas depois acaba-se esse primeiro contingente”, teme a presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), Lurdes Figueiral. E há ainda que retirar os que vão desistindo de esperar por alguma estabilidade. Há quem tenha 50 e 60 anos e não tenha conseguido ainda vincular a um quadro.

Carla Teixeira acredita que no seu agrupamento vai ser muito difícil substituir as dezenas de docentes que vão sair nos próximos seis anos. Não é a única. “Não é hoje, não vai ser amanhã. Mas a falta de professores está aí à porta”, avisa a demógrafa e professora da Universidade Nova de Lisboa Maria João Valente Rosa. “O risco de ficarmos sem professores a algumas disciplinas e de regressarmos à situação vivida nos anos 70, em que iam dar aulas pessoas sem habilitação específica para o ensino, é real”, concorda a presidente da APM.

DOCENTES E ALUNOS CADA VEZ MAIS DISTANTES

O envelhecimento da classe docente na última década foi muitíssimo mais rápido do que o registado no conjunto da população nas faixas etárias equivalentes, lembra Valente Rosa. Os números não deixam margem para dúvidas: em dez anos, a percentagem de docentes com menos de 30 anos caiu de 10% para pouco mais de 1% (a média da OCDE está nos 10%). Ou seja, um decréscimo de 87%, enquanto na população geral entre os 20 e os 29 anos a diminuição não foi além dos 11%. No outro extremo da pirâmide, a percentagem de professores com mais de 50 anos passou de 25% para 47% no mesmo período (ver quadro).

“Portugal tem uma das classes docentes mais envelhecidas da OCDE”, confirma a organização no relatório “Education at a Glance 2019”. Em toda a Administração Pública, apenas os notários e os trabalhadores da administração tributária apresentam uma idade média mais alta: entre os 51 e os 52 anos, contra os 50 dos docentes do ensino pré-escolar ao secundário.

A questão é saber que consequências terão estes números e se Portugal chegará ao ponto de outros países que estão a braços com a falta de professores (ver texto ao lado). Esta não é uma conta fácil de fazer, até porque são vários os fatores a ter em conta, como a diminuição da população em idade escolar. Por outro lado, a carreira já foi muito mais bem vista e procurada do que na atualidade. E como numa equação mal resolvida, há termos que parecem não bater certo.

Se é verdade que a existência de milhares de professores sem colocação parece indicar uma oferta excessiva, há escolas das regiões de Lisboa e do Algarve que têm tido muitas dificuldades em encontrar substitutos para necessidades que aparecem ao longo do ano, muitas vezes de horários incompletos (com salários e direitos reduzidos) e nalgumas disciplinas em particular, como Informática, Geo­grafia ou Inglês. É que os locais de residência dos candidatos ao ensino não coincidem com as regiões onde faltam profissionais. “Estas faltas, ainda que pontuais, podem anunciar uma carência mais generalizada num futuro próximo”, avisa-se no relatório do Conselho Nacional de Educação.

É também aí que se encontram outros dados que sugerem que algo pode vir a correr mal. No grupo de Físico-Química, por exemplo, existiam 5260 professores em 2018. Se a estimativa de 50% de aposentações até 2030 se confirmar são 2600 docentes a menos. Ora, na lista de candidatos disponíveis (não vinculados) existem apenas 1500. E o número de novos diplomados é muito reduzido: em 2016/17, apenas cinco jovens concluíram o mestrado em ensino de Física e Química, que os habilita para dar aulas desta disciplina. No anterior tinham sido sete. Estas contas repetem-se de grupo para grupo. E mesmo com alguma redução de alunos, por via da diminuição demográfica, o défice é expectável.

No caso da Informática, a escassez obrigou mesmo o Ministério a alargar este ano letivo os requisitos exigidos para dar aulas, permitindo que qualquer docente que tenha tido uma formação básica, em Excel ou Powerpoint, por exemplo, possa ensinar Tecnologias de Informação e Comunicação.

No programa de Governo, o Executivo reconhece a necessidade de definir um “plano”, mas nada de concreto se sabe ainda sobre as medidas que vão ser tomadas. “No caso de História não estou a ver como vão suprir as lacunas”, avisa Miguel Barros, presidente da associação de professores desta disciplina.

Nas escolas, são muitos os que fazem as contas aos poucos anos que faltam para se reformarem e ao dinheiro a menos que vão levar para casa se encurtarem essa espera. Na Secundária de Camões, em Lisboa, Alice Xavier, 66 anos, professora de Português e uma das mais antigas da casa, é uma das que irá embora no final do ano letivo. São muitas as recordações que ficam de uma vida inteira dedicada ao ensino, mas o tempo chegou. Além de que “os alunos gostam mais de professores jovens”, brinca.

Ao seu lado, Emília Paco, 63 anos, docente de Alemão, confessa que também gostaria de poder ir para casa. Ou pelo menos, que o sistema permitisse a quem atinge os 60 anos a dedicação exclusiva a projetos e outras atividades que não passassem pelo esforço de assegurar aulas, seguidas de um “trabalho burocrático imenso”. “Quando chega a altura dos testes é demais. E é um esforço muito grande tentar estar próxima destes jovens que vivem noutra era completamente diferente daquilo a que estávamos habituados”, desabafa.

“São várias gerações de diferença entre quem dá aulas e quem está a aprender. Às vezes são 50 anos que separam alunos e professores. Os docentes não foram formatados para este tipo de estudantes, tão diferentes do que eram antes”, sublinha Vítor Marques, diretor do Agrupamento de Escolas de Aveiro. Ali, uma dúzia de professores já estão na faixa etária 65-69 anos. Por causa do congelamento das carreiras, estendem os anos de serviço para tentar chegar a um escalão mais alto e conseguirem sair com uma reforma melhor, explica o diretor.

REJUVENESCIMENTO DIFÍCIL

Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática, acredita que seria importante fazer uma transição mais suave entre as gerações de professores, como aconteceu no passado recente. O problema, diz, é que com o aumento da idade da reforma e um sistema que se fechou à entrada dos mais novos, a substituição deixou de ser feita de form a harmoniosa, com a integração dos mais jovens na “cultura de cada escola”. Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento Cego do Maio, na Póvoa de Varzim, e autor do blogue dedicado à Educação ArLindo, é um dos que tem alertado para o problema. E acredita que, mesmo com a saída de milhares de docentes do sistema, muito dificilmente haverá um processo de rejuvenescimento: “Na maioria das escolas isso não vai acontecer. Vai haver mudança, com a entrada de outros professores. Mas quem entra nos quadros, fá-lo com 40 e 50 anos.”

“Fazia sentido apostar numa interação entre toda uma geração que se vai embora num futuro próximo e os que irão entrar, permitindo uma passagem menos abrupta. Muitos destes professores estão totalmente aptos, mas cansados e com as expectativas goradas. No início da carreira achavam que iam reformar-se aos 58 anos e não só trabalharam mais oito como perderam anos de serviço com o congelamento das carreiras”, comenta Cristina Mexia, diretora do Agrupamento de Armamar, no distrito de Viseu, onde todos os 60 professores têm mais de 40 anos. Só que, com a diminuição da população no concelho, ali não se teme a escassez de professores no futuro, mas a falta de alunos. Que também se sente agora nos cursos que formam professores.

Para o diretor da Secundária de Camões, João Jaime, esta era uma crise anunciada: “Sucessivos governos massacraram a classe docente, burocratizaram a profissão, desrespeitaram o horário de trabalho, humilharam os professores, ignoraram a indisciplina e a violência nas escolas. É preciso valorizar uma carreira, urgentemente. Se os jovens sabem que vão passar muitos anos até entrar na carreira, outros tantos nos primeiros escalões a ganhar mal e longe de casa, assustam-se e escolhem outros percursos”, avisa.