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“Gritante diferença entre os “ricos” das escolas privadas e o “povo” das escolas públicas

1973
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Lembrarei sempre, mas ainda com maior acutilância quando ouvir o sindicalista Mário Nogueira falar, o que se passou nas escolas nestes últimos meses, com especial prejuízo para todos os alunos do ensino público em Portugal, até ao 10º ano.

Lembrarei a forma como o Ministério da Educação se demitiu totalmente das suas funções, deixando que cada Conselho de Turma, escola ou Agrupamento Escolar, fizesse o que lhe dava na mona em relação à forma como os nossos filhos têm aulas e vão ser avaliados.

Lembrarei como, com exceções — muitas, com certeza, e conheço pessoalmente algumas — a maioria dos professores se limita a despejar exercícios para cima dos alunos, por via eletrónica, demitindo-se de um contacto mais próximo, com aulas síncronas, que permitam que os alunos percebam que não estão numa espécie de férias com atividades.

Lembrarei a forma displicente como muitos professores cumpriram apenas os serviços mínimos.

Conheço “na pele”, enquanto pai de duas alunas do ensino público, professores que se preocupam, que acompanham, que falam com os pais e alunos, que estão sempre atentos aos incumprimentos por parte dos educandos. Professores empenhados, que cumprem aquilo que se espera deles, que é ensinar os programas, acompanhar a forma como os alunos estão a aprender e a entender e, no fim, depois de muito acompanhamento e dedicação exigidos por estes tempos especiais, fazer a avaliação.

Sempre com a consciência, espero, que o arranque do próximo ano letivo irá ser muito diferente, muito complicado, muitos alunos, pura e simplesmente, terão “perdido o comboio” a algumas disciplinas (senão a todas) e os professores vão ter de se empenhar a fundo para que os alunos recuperem e não sejam as maiores vítimas desta pandemia, mesmo que não tenham sido contaminados pelo vírus.

Mas infelizmente, também conheço outros casos, eventualmente a maioria, de professores que, pura e simplesmente, se estão a borrifar. Enviam uns exercíciozecos, indicam o material de consulta, veem se as respostas estão certas ou erradas (muitas vezes até isto é feito de forma automática) e pronto. Acham que cumpriram a sua missão.

Aulas síncronas? Nem pensar.

Aulas assíncronas? Se o Rei fizer anos.

Acompanhamento personalizado, com sessões individuais com alunos em dificuldades e prestes a perder o barco? Para quê?

Os pais que façam isso.

O contraste com o ensino privado é gritante. A maior parte dos alunos que conheço de escolas privadas têm aulas online com horários iguais aos que teriam se as escolas estivessem abertas. Têm acompanhamento individual, quando revelam dificuldades nas aprendizagens.

Existe uma gritante diferença entre os “ricos” das escolas privadas e o “povo” das escolas públicas. E isto é algo que devia ser ferozmente combatido por todo o espectro partidário, pois viola, por uma razão ou outra, todas as convicções ideológicas, seja de quem for.

Lembrarei isto tudo. Sobretudo, quando ouvir falar o sindicalista Mário Nogueira. Esta é uma lição que não podemos mesmo esquecer. Nem nós, nem, espero, os professores do ensino público. Espero que também continuem a querer aprender.

André de Serpa Soares in Observador