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Ensino de Emergência 2.0 e o Antivírus do Bom Senso – Marco Bento

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O dia 8 de fevereiro de 2021 marca o regresso às aulas, pela terceira vez este ano letivo, mas, desta forma, num formato de retoma ao Ensino Remoto de Emergência. Porém, e sendo um reinício de aulas remotas na sua versão 2.0, não tivemos tempo de desfazer os equívocos transferidos de março para cá? Não tivemos tempo e oportunidade de ter feito algum upgrade?

A verdade é que nesta fase temos a sensação de que a versão “Ensino Remoto de Emergência 2.0” tem ainda bastantes “bugs”, eventualmente, por também a “firewall da Serenidade” e o “antivírus do Bom Senso” estarem desativados ou sequer instalados nos “servidores” de algumas escolas.

Porém, os equívocos são tantos que receio não termos tempo útil, até voltarmos ao presencial, para os desfazer, continuando o sistema operativo desta versão 2 em completa desatualização…

Como em qualquer sistema que adquirimos, é fundamental ler as instruções de funcionamento antes da sua utilização, como são os “Contributos para a Implementação do Ensino a Distância nas Escolas”, divulgado a 2 de fevereiro, pela Direção Geral de Educação. Claro está, que é importante não comprarmos o sistema operativo e só a posteriori lermos as instruções disponíveis para regular essa utilização. É conveniente, para uma melhor eficácia, existir um tempo proveitoso para a aprendizagem da sua utilização, ainda assim, e por considerarmos que temos a oportunidade de melhoria contínua, nunca é tarde para adaptarmos e melhorarmos a Educação.

Outros equívocos que não deixam esta versão 2.0 atingir algum potencial, é a contínua ideia de que devemos continuar a cumprir currículo ao mesmo tempo que percebemos que os alunos não o adquirem na mesma velocidade, muitos alunos ainda não estabeleceram a ligação digital e/ou emocional para uma predisposição para a aprendizagem. Além disso, quando pelo segundo ano letivo consecutivo nos encontramos num cenário atípico, não podemos pretender que o currículo siga a mesma ordem e rotina de um qualquer outro ano letivo.

Pretendemos que os reinícios, e este em concreto, sejam feitos com a serenidade e a calma necessárias para que não ingressemos em processos de aprendizagem exaustivos, numa interação desenfreada de utilização de apps e plataformas. O ideal é criarmos um ambiente tranquilo e sem precipitações, de forma simples e envolvendo os alunos em tarefas curtas e dinâmicas que promovam a participação, a conversa, o debate, a opinião, naturalmente, com estipulação de regras. Tudo isto deve decorrer em formatos participativos e sem imposições, considerando cada um, para uma melhor equidade e condição na participação ativa.

Neste momento, é indiferente cumprir “esse” currículo se o aluno não estiver física e emocionalmente disposto para interagir e para o aprender. O tempo que pensamos que possa estar a ser desperdiçado, será devolvido em autonomia e maturidade, sempre numa perspetiva de desenho de atividades claras e objetivas, com mais qualidade do que quantidade nas interações. Assim, recomendaria ativar o “antivírus do Bom Senso” e deixar de replicar horários em 100, 70 ou 50% de horários síncronos em videoconferências, uma vez que a quantidade não significará, de todo, a qualidade emocional e cognitiva dessas ligações. Não existem receitas, mas sim o conhecimento de tempo de atenção sustentada para a aprendizagem em diferentes alunos, tempo que reconheça a gestão do ambiente familiar, reconhecimento da tipologia de recursos disponíveis e o diagnóstico de competências de aprendizagem, ou seja, a norma deveria ser a flexibilidade de horários, podendo dar respostas diversas, em diferentes contextos.

Ao fim de alguns dias é possível perceber o exagero da carga horária para crianças tão novas, que desde os cinco anos de idade permanecem três a cinco horas em momento de videoconferência. Nesta fase, é importante ouvir os alunos, as famílias e os professores sobre a carga de trabalho e os ritmos de aprendizagem, que fazem do digital uma das suas vantagens, ao contrário das versões anteriores, demasiado “tayloristas”.

Significa que, neste ano de 2021, o repensar da escola já deveria estar num nível que não o da uniformização, onde todos são tidos por igual. Conhecemos milhares de professores que foram aprendendo ao longo dos anos (previamente à pandemia) e durante a pandemia como proceder para além do uso técnico da tecnologia e das plataformas, potenciando as aprendizagens dos alunos através de modelos pedagógicos ativos mediados por tecnologia nos ambientes virtuais.

Atualmente, já existem professores capazes de demonstrar as suas capacidades críticas e pedagógicas no reconhecimento das formas de trabalhar o currículo de forma flexível, em cenários de aprendizagem invertidos, gamificados, por projeto, diversificando e combinando as formas de avaliação. Com essa experiência e conhecimento, podem, criticamente, partilhar, apoiar, pensar a Educação e ajudar a operacionalizar esta versão 2.0 do Ensino Remoto com “Serenidade” e “Bom Senso”. Infelizmente, quando a Educação parecia estar a seguir caminhos diferenciadores e promotores de equidade, sistemas mais democráticos, parece estar a voltar ao caminho da uniformização, onde todos os contextos (familiares e de aprendizagem) são vistos como iguais, independentemente, da região, da idade, do grau de ensino, entre outros.

São estes professores que precisam ser ouvidos pela forma crítica como pensam e pelas experiências contrárias a essa uniformização pelo digital, pelo uso de plataformas e gestão das mesmas, contrariando uma instalação de “software” massificada. São estas experiências diferenciadoras que promovem a equidade entre os alunos, que promovem a diferença nos contextos, que promovem a flexibilidade dos seus horários (mesmo após as horas síncronas obrigatórias), que promovem a diferença das suas ações pela combinação de modelos interativos.

É possível ainda redefinir e readaptar as práticas, porque este é um sistema educativo que se pretende presencial, mas é o digital que nos oferece a diferenciação pedagógica e o potencial de aprendizagem ubíqua. Saiba esta Escola atual usar a autonomia tantas vezes requisitada ao Ministério da Educação e tenha, hoje e nesta conjuntura, a coragem e o pensamento crítico para a saber implementar e adaptar ao seu contexto e à sua realidade, em benefício da sua comunidade educativa.

Que se ative definitivamente o “antivírus do Bom Senso” e reinstale o sistema operativo para a versão Ensino Remoto de Emergência numa verdadeira Escola Democrática, e que se lute por ela, ao invés de a simular como tal.

1 COMENTÁRIO

  1. “Atualmente, já existem professores capazes de demonstrar as suas capacidades críticas e pedagógicas no reconhecimento das formas de trabalhar o currículo de forma flexível, em cenários de aprendizagem invertidos, gamificados, por projeto, diversificando e combinando as formas de avaliação.” Existem??? Onde???? Sério???Nem no ensino presencial… quanto mais no digital…..Vejam-se o exemplo da proliferação em larga escala da transposição dos horários presenciais para aula síncronas!!! E quanto mais se avança nos diversos ciclos … pior!!!

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