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Ensino à distância não chegou a 45% dos alunos do 1.º ciclo

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Perto de metade dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico não tinha iniciado qualquer processo de ensino à distância até aos dias 6 a 9 de Abril, segundo os resultados de um inquérito feito pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica Portuguesa com o apoio do PÚBLICO e da RTP. À pergunta “A escola do seu filho iniciou já um processo de ensino à distância?”, apenas 55% dos pais com crianças a frequentar o 1.º ciclo do básico responderam que sim.

Os restantes 45% dos alunos com idades entre os 6 e os 10 anos parecem ter ficado assim fora de qualquer tipo de ensino formal, desde que, no dia 16 de Março, todas as escolas fecharam portas, no âmbito da declaração do estado de alerta face à pandemia do novo coronavírus. Neste caso pelo menos, parece ter caído em saco roto o aviso que o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, fez questão de lançar, no dia 13 de Março, quando disse que, apesar de encerradas as escolas, “ninguém está de férias”, isto é, que o trabalho lectivo iria prosseguir.

“Muitas escolas devem ter ficado elas próprias à espera de saber o que poderiam fazer e como. Mais ainda durante estas semanas em que ainda não se sabia se voltaríamos a ter aulas presenciais neste ano lectivo”, admite João António, investigador do Cesop e coordenador deste inquérito que, a partir de uma amostra de 1700 inquiridos, representativa da população portuguesa, procura analisar o impacto da actual crise sanitária na vida das pessoas, nomeadamente face ao trabalho (quase um quarto dos trabalhadores está em teletrabalho) e ao rendimento, cujas perdas se fazem sentir sobretudo entre os que ganham abaixo dos mil euros mensais.

Ainda no tocante à educação, o facto de 45% dos alunos do 1.º ciclo terem atravessado as duas últimas semanas do 2.º período sem qualquer ligação à escola poderá explicar-se pela ausência de recursos digitais na casa de muitos alunos, segundo o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Filinto Lima. Aliás, a propósito desta experiência, e com base em dados do Instituto Nacional de Estatística, os economistas Hugo Reis e Pedro Freitas lembraram recentemente que, só no ensino básico, poderão existir 50 mil alunos sem acesso à Internet em casa. Por outro lado, Filinto Lima lembra que, embora em menor grau, também “há professores que não têm em casa os recursos necessários” para esta modalidade de ensino, sem descartar a possibilidade de poder estar aqui a haver “algum desleixo” por parte dos pais, porquanto lhe chegaram queixas dos professores que não estão a conseguir contactar os alunos, mesmo insistindo com os pais.

No 3.º período, Filinto Lima diz-se convencido de que a situação vai melhorar, até porque há muitas autarquias que têm estado a oferecer tablets e computadores aos estudantes. Do mesmo modo, o investigador João António considera que não se pode retirar destas percentagens qualquer conclusão quanto à exequibilidade do ensino à distância. “Vai haver agora um universo muito mais alargado de alunos com processo de ensino à distância, agora que as coisas foram, entretanto, definidas”, perspectiva, referindo-se ao anúncio feito na quinta-feira pelo primeiro-ministro, António Costa, dando conta da decisão de manter o ensino à distância para os alunos do básico durante o 3.º período, que arranca nesta terça-feira. A partir do dia 20, o trabalho dos professores do 1.º ao 9.º ano de escolaridade será complementado pela televisão. Entre as 9h00 e as 17h50, a RTP Memória transmitirá conteúdos organizados para os diferentes anos lectivos.

De resto, descontando o 1.º ciclo e o pré-escolar, onde 72% dos pais também responderam que a escola não tinha iniciado qualquer processo de ensino à distância, nos restantes níveis de ensino as escolas parecem não ter precisado de muito tempo para se articularem com os alunos à distância. Entre os pais com alunos a frequentar o 2.º ciclo (5.º e 6.º anos), 78% declararam que a escola já tinha posto o ensino à distância a funcionar. No 3.º ciclo (7.º, 8.º e 9.º anos) e no secundário, a percentagem desce ligeiramente para os 68% e os 69%, mas, no ensino superior, dispara para os 90%.

A disparidade etária e, consequentemente, no acesso a equipamentos etários pode, por outro lado, ajudar a explicar a maior ou menor fluidez do ensino à distancia nos diferentes níveis de ensino. Se tomarmos como amostra as respostas dos 1700 inquiridos, mais concretamente os que têm filhos a cargo, 100% dos jovens a frequentar uma universidade ou politécnico têm smartphone e 97% um computador próprio. Já entre os alunos do 1.º ciclo apenas 34% têm um computador próprio. Quanto ao telemóvel, a proporção desce para os 19%.

O diálogo entre a escola e os alunos não motiva grandes razões de queixa para a maioria dos inquiridos. Mais de metade dos pais (59%) considera que a escola tem comunicado “bem” ou “muito bem”, contra os 25% que adjectivam a comunicação como “razoável” e os 11% que dão conta da inexistência de qualquer tipo de comunicação. Uma minoria de 5% dos pais qualifica como mau ou muito mau o diálogo com os professores.

Entre os inquiridos, encontram-se 36 pessoas com 18 ou mais anos de idade e que estão a estudar. Quando lhes perguntaram sobre as condições de que dispõem para a aprendizagem à distância, 73% declararam que o rendimento escolar está a ser menor, o que tanto atribuem ao ruído e às interrupções em casa como à falta de apoio da escola.

Este inquérito foi realizado pelo Cesop-Universidade Católica Portuguesa para a RTP, PÚBLICO e parceiros e patrocinadores da universidade, entre os dias 6 e 9 de Abril de 2020. O universo alvo é composto pelos indivíduos com 18 ou mais anos residentes em Portugal. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel e telefone fixo, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efectuadas por telefone e os inquiridos foram informados do objectivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1700 inquéritos válidos, sendo 57% dos inquiridos mulheres, 34% da região Norte, 20% do Centro, 33% da Área Metropolitana de Lisboa, 7% do Alentejo, 3% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população residente por sexo, escalões etários, grau de escolaridade e região com base nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 49%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1700 inquiridos é de 2,4%, com um nível de confiança de 95%.

Fonte: Público