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Desconfinados à força – Sara Gaspar

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Quando olhamos para o estado da educação no nosso país é inevitável não pensarmos nas desigualdades que se vão acentuando no seio da comunidade estudantil. Ficamos legitimamente indignados, porque sabemos que tudo isto poderia ter sido certamente evitado, tivesse o Governo planeado com a devida antecedência um possível regresso ao ensino à distância que se tornava cada vez mais inadiável com a escalada no número de novos casos de Covid-19 registado diariamente no país. Mas, infelizmente, como se costuma dizer, uma desgraça nunca vem só e parece-me que ultimamente a comunicação social se tem esquecido, talvez até propositadamente, da peça essencial do ensino em Portugal: os professores.

Passa ao lado dos mais despercebidos que ainda há professores a deslocarem-se diariamente para as escolas para “teletrabalharem”. A expressão “teletrabalhar no trabalho” é de facto absurda e impensável, mas é seguramente uma realidade vivida por vários portugueses que se sentem ignorados. O meu pai é professor e cá em casa temos a sorte de dispormos de material tecnológico suficiente para todos estudarmos e trabalharmos em simultâneo, mas infelizmente não é assim na casa de todos os professores. Alguns destes heróis sem capa, que garantem o ensino dos jovens portugueses veem-se injustamente obrigados a dirigir-se todos os dias de casa para a escola e vice-versa, frequentando muitas vezes os transportes públicos que, por muito que neguem, são locais onde o risco de exposição ao vírus se agrava, para darem aulas síncronas, esclarecerem dúvidas virtualmente, prepararem materiais de ensino, etc., utilizando materiais que se encontram, múltiplas vezes, visivelmente obsoletos e dificilmente utilizáveis. Como se não bastasse, têm ainda de abdicar de auxiliar e acompanhar os seus filhos com o ensino online, saindo, mais uma vez, prejudicados. Serão estes portugueses cidadãos de segunda?

No dia 14 de janeiro, o Governo aprovou um Decreto-Lei que obriga ao teletrabalho, sempre que este é possível (o incumprimento desta medida constitui uma contraordenação). Perante uma situação de teletrabalho e a menos que haja alguma estipulação a este respeito no contrato de trabalho em contrário, está previsto que o empregador forneça o material tecnológico para informação e comunicação ao trabalhador, garantindo a sua instalação, manutenção e pagamento de despesas inerentes. É deveras intrigante que o próprio Ministério da Educação se mostre incapaz de cumprir tal exigência. Face a esta falha tão gritante, não houve, sequer, a preocupação de procurar qualquer tipo de consentimento da parte dos membros do corpo docente para utilizarem, quando o possuem, o próprio material tecnológico, oferecendo em troca uma compensação que, ainda que pudesse ser simbólica, reconheceria o esforço de todos aqueles que dedicam agora ainda mais horas do seu dia para levar o ensino até casa do maior número de alunos possível.

E se o docente for infetado com Covid-19 no local de trabalho ou na deslocação até lá, quem será o responsável? Será ele próprio? Porque são os professores coagidos a saírem das suas casas e a violarem o confinamento obrigatório para fazerem algo tão simples, mas tão essencial como dar uma aula? Muitas destas questões não têm resposta e provavelmente também não terão num futuro próximo.

Resta-nos esperar que possam servir de reflexão e que, desta vez, um possível terceiro regresso ao ensino à distância seja planeado cautelosamente e com a devida antecedência.

Observador