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Aula de ciências da telescola motiva carta de cientista aos ministros da Educação e da Ciência

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Uso inadequado de antibióticos e de hormonas de crescimento nas explorações pecuárias: é outro dos impactos da exploração dos recursos agropecuários”, diz a professora da aula de ciência naturais do 7º e 8º ano de quarta-feira, 13, a ler uma apresentação em power point (ver a partir do minuto 10). “Mas também a introdução de organismos geneticamente modificados: é mais um impacto resultante da exploração dos recursos agropecuários. Estes impactos causam riscos para a saúde humana e para o ambiente”, continua a professora.

De seguida, é apresentado novo slide em que se defende a implementação de uma “agropecuária biológica que não utilize organismos geneticamente modificados”.

Esta aula motivou uma carta aberta do biólogo Pedro Fevereiro, presidente do Centro de Informação de Biotecnologia (CiB), aos ministros da Educação e da Ciência, em que acusa de estarem a ser dadas informações falsas aos alunos, situação que “envergonha a Educação e a Ciência portuguesas”, critica.

“A informação, ou melhor, a doutrinação veiculada, é não só errada do ponto de vista científico – está cientificamente provado que os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) não constituem risco, quer para a saúde humana, quer para o ambiente , como é deturpada, pois os impactes referidos não provêm da exploração dos recursos agropecuários, mas sim de eventuais práticas agrícolas antiquadas”, escreve o antigo Bastonário da Ordem dos Biólogos e ex-membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Pedro Fevereiro também critica as ideias transmitidas na aula televisiva de que a agricultura intensiva usa “excessivamente fertilizantes, pesticidas e herbicidas” e que a pecuária utiliza desadequadamente “antibióticos e hormonas de crescimento”. “De facto”, lê-se na carta, “a informação transmitida constitui um aviltamento da produção agropecuária e dos produtores portugueses em particular, que se esforçam todos os dias para garantir a sustentabilidade das suas produções e a segurança alimentar. Contrariamente ao que foi dito na referida aula, a agricultura intensiva moderna não utiliza excesso de fertilizantes, pesticidas e herbicidas, tendo exigências semelhantes ao modo de produção integrada. E, também ao invés do que foi proferido, são proibidos os antibióticos e as hormonas de crescimento nas fileiras de produção animal no espaço europeu.”

Na União Europeia, os antibióticos só são permitidos quando o animal está doente, e não por prevenção, como acontece, por exemplo, nos EUA.

À VISÃO, o investigador diz que o que está a ser ensinado não é ciência, mas sim “doutrina”, e que este tipo de informações erradas consta dos manuais escolares. “Já fui à Comissão de Educação da Assembleia da República falar disto. Os conteúdos foram pensados há mais de 20 anos. A biologia sofreu uma revolução enorme entretanto.” Pedro Fevereiro diz que tem recebido queixas de vários agricultores devido a esta e outras aulas. “As pessoas ficam furiosas. Estão a produzir em condições ambientais muito restritas e depois isto. Como se em Portugal e na União Europeia se produzisse desta maneira…” O presidente do CiB dá como exemplo de ciência errada outra aula desta semana (Estudo do Meio e Cidadania dos 1º e 2º anos de 12 de maio; ver a partir do minuto 24) em que se apresenta o sobreiro com árvore de folha caduca. Na verdade, as folhas do sobreiro não caem no inverno, pelo que não é uma árvore de folha caduca.

A VISÃO pediu uma reação ao ministério da Educação, mas até ao momento ainda não a obteve.

Esta é a carta na íntegra:

Carta aberta

Ao Senhor ministro da Educação, Doutor Tiago Brandão Rodrigues

Ao Senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Professor Manuel Heitor

Exmos Senhores ministros,

Ontem, 13 de maio, foi apresentado no programa “Estudo em casa”, no canal público de televisão dedicado à Tele Escola, na aula 4 de Ciências Naturais dos 7º e 8º anos, um slide com o título “Impactes da exploração dos recursos agropecuários” (vide anexo).

A informação – ou melhor – a doutrinação veiculada é não só errada do ponto de vista científico – está cientificamente provado que os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) não constituem risco, quer para a saúde humana, quer para o ambiente -, como é deturpada, pois os impactes referidos não provêm da exploração dos recursos agropecuários, mas sim de eventuais práticas agrícolas antiquadas.

De facto, a informação transmitida constitui um aviltamento da produção agropecuária e dos produtores portugueses em particular, que se esforçam todos os dias para garantir a sustentabilidade das suas produções e a segurança alimentar. Contrariamente ao que foi dito na referida aula, a agricultura intensiva moderna não utiliza excesso de fertilizantes, pesticidas e herbicidas, tendo exigências semelhantes ao modo de produção integrada. E, também ao invés do que foi proferido, são proibidos os antibióticos e as hormonas de crescimento nas fileiras de produção animal no espaço europeu.

Em vez de comunicar factos corretos e de os explicar com fundamentos científicos, esta forma de doutrinar é vergonhosa para o ensino das ciências em Portugal. Na realidade, os conteúdos das Ciências da Natureza para os 2º e 3º ciclos, mas também, em parte, para o Ensino Secundário, enfermam da perspetiva de que a ciência é uma disciplina para decorar (vulgo “marrar”) e que os alunos devem ser apascentados, sobretudo no que respeita às ciências naturais e do ambiente. Esta realidade é facilmente verificável em vários manuais escolares.

Peço encarecidamente a Vossas Excelências, como cientistas que são, que atendam a esta questão e que atuem no sentido de mudar este paradigma, que envergonha a Educação e a Ciência portuguesas.

Com os melhores cumprimentos,

Pedro Fevereiro

Biólogo

Presidente do CiB-Centro de Informação de Biotecnologia

1º Bastonário da Ordem dos Biólogos

Ex-membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

Professor Auxiliar com Agregação

Fonte: Visão