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As tecnologias pouco podem fazer em relação às necessidades de alimentação de centenas de crianças

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A telescola garantiu o ensino à distância em época de pandemia, mas as tecnologias pouco podem fazer em relação às necessidades de alimentação de centenas de crianças, que nas escolas de Sintra encontram as portas abertas para recolher refeições.

O dia amanhece cinzento na Serra das Minas, em Mem Martins, no concelho de Sintra. A chuva torna ainda mais penosa a espera para que se abram os portões da Escola Básica n.º 2 da Serra das Minas.

Não há aulas, mas para os encarregados de educação, que antes das 10:00 já fazem fila junto à entrada, o motivo de ali estarem é talvez mais importante do que levar os filhos à escola, como há pouco mais de dois meses faziam rotineiramente.

Percebendo que o encerramento das escolas por causa da pandemia de covid-19 não ‘apagava’ as dificuldades que muitas famílias sentem para colocar comida à mesa, a Câmara Municipal de Sintra, no distrito de Lisboa, colocou em marcha um projeto para garantir a continuidade do fornecimento de refeições escolares às famílias dos alunos mais carenciados.

Assim, uma vez por semana, centenas de famílias deslocam-se a uma escola do concelho e podem recolher um ‘kit’ de bens alimentares. As refeições são feitas em fábrica, congeladas, e no ‘kit’ constam as instruções que explicam como deve ser feito o consumo.

Semana após semana, o número de famílias a usufruírem deste apoio tem crescido e “obrigado” e “excelente iniciativa” são duas expressões utilizadas pelos pais quando conversam com a Lusa, enquanto esperam a sua vez para recolher os alimentos desta semana.

Marisa Mendes trouxe ajuda para carregar os sacos. Mãe de dois alunos, de 6 e 13 anos, classifica esta como uma “boa iniciativa” e considera que o seu principal mérito é “proporcionar aos filhos uma alimentação completa” nestes “tempos de maiores dificuldades”.

Em casa há dois meses, depois de ter sido colocada em ‘lay-off’, diz sorridente que tem sido “complicado” gerir toda a situação e expressa um desejo para os filhos: “Esperemos que isto passe rapidamente e que eles possam ter uma vida normalizada”.

A seguir na fila está a tia de Denilson, Maria Ferreira. Num dia normal estaria a trabalhar, mas agora isso só acontece duas vezes por semana.

Assume que as dificuldades são muitas, pois “há muitas bocas para dar de comer”.

No ‘kit’ encontra fruta e leite, bens preciosos por estes dias.

“Serve muito bem, toda a ajuda é bem vinda”, agradece à medida que, em esforço, carrega os sacos rumo à saída da escola.

Com um custo mensal que ronda os 200 mil euros, a Câmara de Sintra tem consciência que muita desta ajuda vai para toda a família e não apenas para o aluno.

“Esta é a continuidade de uma resposta que já tínhamos, com a garantia de refeições escolares a todos os alunos, mas que nesta altura tem uma expressão muito significativa junto dos alunos carenciados”, diz à Lusa o diretor do departamento de Educação, Juventude e Desporto da autarquia, Frederico Eça, revelando que o sistema teve de ser adaptado às contingências da pandemia.

“Fazemos uma única distribuição semanal de um ‘kit’ com 10 refeições. O kit é entregue por aluno, com uma dose dupla diária e dois lanches”, adianta, indicando que estão a ser apoiados 1.600 alunos, num total de refeições que desde o começo da pandemia já ultrapassou a barreira das 100 mil.

Rosária Barata está há seis anos na EB2 da Serra das Minas. Conhece bem as pessoas que precisam desta ajuda, que considera “precisa e valiosa”.

Habituada ao trabalho entre tachos e panelas, esta cozinheira está agora na ‘linha da frente’, a organizar toda a logística da distribuição de refeições. Assume que é um trabalho inesperado e que já tem saudades do burburinho dos mais pequenos à hora de almoço.

“Tenho muitas saudades, sobretudo das crianças. Espero regressar em breve à cozinha, porque já há meninos que vêm para a escola. Deus queira que seja assim e que passe rápido”, anseia.

A chuva não para, mas isso não detém os pais que vão chegando.

A próxima é Ana Santos, que há três semanas vem levantar o ‘kit’ disponibilizado pela Câmara de Sintra.

“Tem-nos ajudado imenso. Já venho buscar há 3 semanas e é muito bom, é uma ajuda ótima. A comida é excelente”, elogia Ana, que diz que o facto de estar de baixa e o marido ter tido “um corte grande” no ordenado têm sido dificuldades extra na gestão do orçamento familiar.

Por isso mesmo, agradece à autarquia a ajuda e pede que se mantenha.

“Acho que é uma ajuda que devia manter-se. Ajuda-me mesmo e ainda bem que tiveram esta iniciativa. Estão de parabéns”, diz, com a promessa de regressar na próxima semana.

Portugal entrou no dia 03 de maio em situação de calamidade devido à pandemia, depois de três períodos consecutivos em estado de emergência, desde 19 de março.

Esta nova fase de combate à covid-19 prevê o confinamento obrigatório para pessoas doentes e em vigilância ativa, o dever geral de recolhimento domiciliário e o uso obrigatório de máscaras ou viseiras em transportes públicos, serviços de atendimento ao público, escolas e estabelecimentos comerciais.