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A quem serve o ranking das escolas?

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É no mínimo tragicómico o timing na divulgação do já habitual Ranking das Escolas neste ano letivo, numa altura em que termina um ano letivo que consistiu num dos maiores desafios à Educação das últimas décadas. A adaptação súbita e repentina para o Ensino à distância, obrigando professores e professoras a uma aprendizagem intensiva de literacia digital, constatou-se um dos maiores entraves ao Ensino universal e igualitário, pondo a nu as desigualdades materiais e familiares dos alunos, desigualdades essas que sempre existiram, mas que eram preferencialmente ignoradas por quem acredita na utopia da igualdade de oportunidades e da meritocracia, olhando para a Escola como uma justificação da extrema desigualdade do sistema capitalista onde cada aluno arranca a maratona da sua vida em pé de igualdade com os restantes, deixando-se cair apenas os que não pretendem o sucesso. Este cenário idílico nunca existiu senão na cabeça dos crentes do sistema neoliberal.

Não há igualdade de oportunidades entre uma criança ou jovem nascido no seio de uma família ou comunidade problemática, num contexto de crescimento pessoal totalmente nocivo, sem qualquer tipo de apoio escolar por parte dos seus parentes ou explicadores privados, que eventualmente começará a trabalhar a dado momento do seu percurso escolar para ajudar ao sustento familiar e uma criança ou jovem na serenidade de um contexto familiar propício à concentração nos estudos com todas as condições materiais para auxiliar a sua aprendizagem. E no seio de uma pandemia desta dimensão, essa desigualdade de oportunidades é ainda mais vincada, quando os alunos necessitam de apoio familiar, condições tecnológicas, logísticas e materiais para prosseguir os estudos num ambiente minimamente propício à aprendizagem.

O debate sobre esta dicotomia e sobre o mito da Escola como elevador social devia marcar a atualidade da discussão sobre o Ensino, mas a grande media mais uma vez recentra o debate sobre a Educação num Ranking que é errado em toda a sua essência. Primeiramente, é anunciada uma vitória esmagadora da Educação privada sobre a pública, com o habitual tom desonesto que carateriza esta discussão. Este suposto triunfo não serve para descredibilizar a Escola Pública ou os seus profissionais, que recebem alunos vindos das esferas mais complicadas da nossa sociedade, de comunidades excluídas e assoladas pela pobreza, desmotivadas para o estudo no turbilhão de desencanto que é a sua vida e que mesmo assim lutam pelo sucesso das suas turmas e da sua Escola, uns com mais ou menos vitórias, como em todos os ramos profissionais, não serve também para embelezar o setor privado sobre o público, provando que o primeiro representa o progresso, a qualidade de Ensino, o auge do brilhante processo de privatização com que a Direita neoliberal sonha e que o segundo é a face de um Estado ineficaz, obsoleto, com serviços públicos tão deficitários que merecem ser extintos, devido à tal desigualdade acima referida que é tantas vezes esquecida neste debate.

O Ranking ignora portanto essas realidades, sendo também ele um sinal de um sistema que continua a ver uma realidade utópica de uma Escola onde tudo o que é exterior é irrelevante e que cada um, a partir dos seis anos, é totalmente responsável pelo seu sucesso financeiro futuro, colocando em pé de igualdade o primeiro jovem que falei, oriundo de uma comunidade problemática e o segundo, que tem condições materiais para estudar num desses Colégios ou ter explicações privadas. Todos estes fatores são absolutamente decisivos nestes Rankings porque estas realidades não existem naquele algoritmo.

Assim, é mantida uma ideia muito útil para o desejo ávido de lucro dos proprietários destes estabelecimentos, que os melhores profissionais e o melhor método de ensino fazem parte daquele núcleo restrito de Colégios que ocupam os lugares cimeiros, quando os preços exorbitantes despendidos não pagam necessariamente os melhores profissionais, que estão dispersos por toda a classificação, mas a seletividade de quem lá estuda, maioritariamente alunos com as tais condições exclusivas de aprendizagem.

Percebemos então a quem servem estes Rankings: aos arautos do setor privado, que veem aqui mais uma oportunidade para o seu populismo neoliberal necrófago e a quem vive do lucro do ensino privado, que coloca os alunos como cavalos de corrida em que a vitória abre a porta ao prestígio mediático e ao cada vez mais restrito elitismo, porque no fundo, é esta a génese desta competitividade: a vitória numa tabela e não a aprendizagem, o lucro sobre o Ensino, vencer a qualquer custo em nome do interesse particular, mesmo que para esse efeito a inflação de notas sejam um meio necessário.

Urge perceber se é este o papel que o Ministério da Educação deve assumir, de serviço a estes interesses, ou um papel de promoção de um debate sobre a Educação universal de qualidade, fomentando a qualidade pedagógica e as condições de acesso de todos independentemente da sua origem social e económica. A prioridade não pode passar nunca por fazer da Educação uma competição, com a agravante de ser absurdamente desigual, mas por pensar numa reforma educativa que seja mais atenta às necessidades individuais de cada aluno, que forma cidadãos ativos e preparados para viver em sociedade, garantindo ao máximo condições materiais para todos os alunos, enquanto existe um trabalho paralelo de emancipação das famílias mais fragilizadas socialmente e economicamente, porque este problema sistémico da desigualdade material tem impacto em todas as dimensões e na Educação não é exceção. Importa perceber qual a utilidade pública deste sistema de classificações e a sua importância central no debate educativo e se não seria mais benéfico anulá-lo totalmente ou relevar nele a origem social e económica dos seus alunos e as condições em que os profissionais da Escola pública, tantas vezes menosprezados pela narrativa contada por uma tabela, trabalham para atingir os seus resultados.

E enquanto não estamos dispostos a este debate, saibamos agir também a curto prazo e reconhecer a importância do investimento nas Escolas Públicas e nos seus profissionais, para garantir também um minimizar da discrepância imoral entre setores, tomando medidas que melhorem as condições de aprendizagem. Não deixa de ser paradoxal que na mesma semana o Parlamento tenha chumbado uma iniciativa do Bloco de Esquerda para a diminuição do número máximo de alunos por turma, quer por razões de saúde pública numa fase de limitação dos ajuntamentos, quer por uma questão pedagógica e de facilitação do apoio especializado e pessoalizado por parte dos docentes. Os que se opuseram: os que querem o fracasso da Escola Pública para a descredibilizar e extinguir e os que não se importam com esta realidade, pelo menos até esta ser tão gritante que não haverá tempo para agir.

Texto de Afonso Silva

Fonte: Esquerda